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‘Envelhecer é bom’, dizem especialistas e idosos contra o preconceito com a terceira idade

Em um passado não muito distante, chegar à terceira idade era motivo de preocupação para muitas pessoas

“Envelhecer é bom, é maravilhoso”. Quem diz é dona Carmelita Leandro Mendes, de 92 anos, que sempre foi dona de casa, ativa e está aposentada. Ela não reclama de nada e defende que chegar à terceira idade é melhor que os tempos de juventude. Essa ideia vai de encontro aos ‘padrões de beleza jovem’ explorados pela sociedade – e que a torturam – e foi discutida pela Bayer Brasil, em São Paulo, no dia 25 de outubro. Especialistas em saúde e jornalistas alertaram que o envelhecimento deve ser tratado como prioridade, como tema central de debates, tendo em vista a aceleração do crescimento populacional de idosos no Brasil e no mundo, o que exige cada vez mais preparo da sociedade e dos governos para lidar com o processo.

Dona Carmelita não está sozinha. Assim como ela, Ceomar Polari, de 78 anos e Daura Silva Farias, de 82 anos, também não reclamam da terceira idade. Elas moram no condomínio Cidade Madura, um residencial exclusivo para idosos, localizado em Mangabeira, na Zona Sul de João Pessoa.

“Faço artesanato, bordados, meus filhos me visitam. Não tenho problema com a velhice”, afirma Dona Daura, que mostra orgulhosa os bordados e artesanato que faz do outro lado da cidade, no Altiplano, quase diariamente. “Faço várias atividades”. Para quem pensa que envelhecer é ruim, ela aconselha. “Faça como eu. Vou levando até o dia que Deus quiser”, finaliza a aposentada pelo Estado, viúva e mãe de cinco filhos

Esse entusiasmo também e parte da vida de Dona Ceomar. Mesmo estando ligeiramente preocupada com roupa e maquiagem enquanto recebia o jornalista para esta reportagem, ela não poupou carisma e disparou. “O que você precisa é ter boas relações, com pessoas dignas; alimentação é importante e ter cuidados médicos”, disse ela, lembrando ainda que ter o apoio da família é fundamental para o bom envelhecimento.

O mundo está envelhecendo

Em um passado não muito distante, chegar à terceira idade era motivo de preocupação para muitas pessoas, mas essa perspectiva tem mudado positivamente e, chegar à maturidade aos 50, 60, 70, 80 anos ou mais, tem sido uma prova de que a terceira idade tornou-se o começo de um novo ciclo cheio de descobertas e aprendizado.

O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) afirma que envelhecer é um triunfo do desenvolvimento. A população acima dos 65 anos no Brasil representa 8% do total de 206 milhões de habitantes e a expectativa de vida para os nascidos entre 2015-2020 é que eles cheguem aos 72 anos, no caso dos homens, e 79 anos, no caso das mulheres. Atualmente, são 27 milhões de brasileiros que vivem com mais de 60 anos e movimentam R$ 1,5 trilhão da economia nacional. O número de idosos passará a ser 78 milhões em 2065. Levando em conta a taxa de fecundidade que saiu de 5.7 filhos em 1975 para 1.8 filho nos anos 2000, a população de 0 a 59 anos terá reduções de até 42,2%.

No mundo, as pessoas com 60 anos ou mais já representam 12,3% da população e até 2050 esse número tende a aumentar para quase 22%. Mesmo assim, o envelhecimento é acompanhado, biologicamente falando, do aumento de riscos para o desenvolvimento de doenças, além de representar um desafio social e econômico.

Com esse cenário iminente, a Bayer e a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia realizaram uma pesquisa inédita sobre o significado de envelhecer para os brasileiros para entender se eles estão se preparando para chegar à maturidade plena e como encaram essa fase da vida.

Pesquisa

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa média de vida do brasileiro é de 77 anos. De 1940 a 2020 a expectativa média de vida terá aumentado em 167%. Isso porque, seguindo a tendência mundial de redução das taxas de natalidade e número de óbitos, a idade média do brasileiro passou de 45,5 anos, em 1940, para 78 anos, em 2020 (IBGE).

Fomentada pelo desenvolvimento econômico e por avanços tecnológicos, tanto na medicina quanto no saneamento básico, essa transição demográfica aumentou a expectativa de vida da população e vem redefinindo o significado de ‘terceira idade’. Mais ativos do que nunca, homens e mulheres com mais de 55 anos não só vivem mais, como vivem melhor. É o que aponta a pesquisa.

Os resultados apresentados durante a entrevista coletiva ‘Longevidade – Como chegar a uma maturidade plena’, no Villa Bisutti, em São Paulo, revelam que 63% dos pesquisados pensam no envelhecimento e outros 37% não pensam. Desses que não pensam, a maioria (32,7%) diz que o faz porque “deixa o destino nas mãos de Deus”. Outros 21,2% alegaram que têm medo do que está por vir.Perguntados sobre como se sentem por envelhecer, 32,2% dizem que está tudo bem, enquanto outros 25,5% estão “preocupados”. Os demais responderam que não têm nenhum sentimento sobre isso (17,7%), estão assustados (14,9%) ou ansiosos (9,8%).

Algumas questões, no entanto, afligem os mais maduros. A solidão (29%) é a principal delas, seguida da incapacidade de enxergar ou se locomover (21%) e do desenvolvimento de doenças graves (18%).

Em resposta espontânea, os pesquisados disseram o que primeiro vem à mente quando se fala em envelhecimento. Abandono (medo de ficar sozinho); depender das pessoas; doença; família; envelhecer com saúde; morte; se sustentar; aposentadoria; descansar; solidão. Problemas de saúde, dependência e solidão também aparecem em outros pontos da pesquisa como os principais medos quando o assunto é envelhecimento.

A maioria dos pesquisados acredita que o Brasil não tem preparo para cuidar da saúde dos idosos. São 89,5% contra 10,5% que defendem as condições de infraestrutura, saúde, segurança e lazer para essa parcela da população no país.

A maioria dos entrevistados disseram ainda que o segredo para a longevidade é ‘permanecer ativo’ (21,2%); outros 14,9% defendem a prática de atividades físicas, enquanto 14,6% pregam a paciência e a gratidão.

Economicamente ativos e socialmente engajados, esse público anseia por um envelhecimento mais saudável e melhor qualidade de vida. Para isso, visitam o médico (24%), se alimentam de maneira adequada (23%) e praticam exercícios regularmente (17%). As boas práticas não se limitam ao plano físico, a saúde mental também é observada: 76% dos entrevistados leem ou praticam alguma atividade que desafie o cérebro. Além disso, 64% frequentam eventos sociais semanalmente. Apesar de 62% ter alguma doença crônica e 65% fazer uso de medicamentos, 64% se consideram saudáveis.

A pesquisa foi feita em outubro deste ano, com 2 mil entrevistados com mais de 55 anos, por meio de um questionário de múltipla escolha com 30 questões. A abordagem com o tema ‘envelhecimento’ foi feita em locais de grande movimento das cidades de Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Curitiba (PR), Goiânia (GO), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), São Paulo (SP) e Porto Alegre (RS).

Especialistas alertam

A doutora Maisa Kairalla apresentou os resultados e classificou como “preocupante” o fato de alguns entrevistados não demonstrarem interesse com o futuro, quando todos eles têm mais de 55 anos e já estão a caminho da terceira idade ou em plena fase de envelhecimento.

Presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), seccional São Paulo, e coordenadora do Ambulatório de Transição de Cuidados da Disciplina de Geriatria e Gerontologia da Unifesp, a doutora alertou que há uma recepção ruim da velhice e um medo do Sistema Único de Saúde (SUS), que não é suficiente para garantir saúde pública de qualidade para toda a população – principalmente para os idosos. “Há pessoas que aguardam um ano e meio em filas de atendimento [na saúde pública]. Isso é triste e preocupante”, disse ela ao apresentar e comentar os números da pesquisa.

Ela critica o preconceito que há com a terceira idade. “Ainda é comum os olhos da sociedade se voltarem para a velhice com preconceitos e rótulos que não representam mais esta parcela de nossa população. Mesmo que o envelhecimento faça parte de um processo natural do ser humano, que tem início desde o nascimento, ele ainda é acompanhado por estigmas que precisam ser quebrados”, afirmou Kairalla.

“Levando em consideração que a população idosa brasileira triplicará até 2050, chegando a mais de 66 milhões de pessoas, segundo o IBGE, é fundamental ter atenção quando o assunto é o envelhecimento ativo e saudável. O idoso precisa ser autônomo, independente e praticar atividades que tragam propósito ao seu dia a dia”, disse a doutora.

Ela ainda defende que a educação é a melhor saída para ajudar a população a envelhecer melhor. “É preciso que se tenha o planejamento do envelhecimento; educar melhor para combater o preconceito”. Otimista quanto as possibilidades do Brasil, ela afirmou que há políticas públicas estruturadas para os idosos, mas que precisam de intervenções. “As políticas públicas nacionais são muito bem estruturadas para os idosos, mas elas precisam ser melhor exercidas e modernizadas”, finalizou.

Médico especialista em envelhecimento, o doutor Alexandre Kalache explanou sobre o envelhecimento, classificando-o como ‘revolução da longevidade’. Ele dirigiu por 14 anos o Programa Global de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS) e hoje preside o Centro Internacional da Longevidade Brasil, no Rio de Janeiro.

“O Brasil ainda tem deficiências em pesquisas e no quadro de profissionais adequados para desenvolver projetos de alta qualidade para os idosos”, disse ele ao alertar que o país terá praticamente a mesma população de idosos do Canadá em 2050, mas não segue o ritmo de desenvolvimento desse rico norte-americano. “É preciso observar a perspectiva social para que se combata as desigualdades”.

Segundo ele, a ‘revolução da longevidade’ ocorre com o aumento da população idosa no mundo, as necessidades de políticas públicas voltadas para essa camada e da reinvenção de conceitos.

“Aposentadoria vem de ‘aposento’, um canto da casa onde o idoso ficava abandonado. Essa ideia tem que acabar! O idoso deve estar sempre integrado, viver em ambientes solidários, aproveitando seu tempo com o que lhe convier”, defendeu. “Se existiu a adolescência, agora temos a ‘gerontolescência’, na qual o idoso permanece com a mentalidade ativa, em meio a um futuro em que há não só o conhecimento, mas a imaginação. Estamos preparados para isso? Como vamos lidar com a diversidade tão presente entre os jovens de hoje, mas que serão os idosos de amanhã? Deve haver a ‘geratividade’ que é a inter-relação entre as gerações, de forma que uma cuide da outra, sem isolamentos ou exclusões”, alertou.

Sobre o medo das doenças, doutor Kalache alerta. “A pessoa que ao longo de seu curso de vida toma medidas para prevenir doenças crônicas terá sem dúvida um melhor envelhecer. Terá acumulado o capital de saúde tão importante para a qualidade de vida na medida em que envelhecemos. Quanto mais cedo começar a tomá-las, melhor – mas nunca é tarde demais. No entanto, o processo de envelhecimento muitas vezes é acompanhado de enfermidades. Diferentemente do que acontecia há 20, 30 anos, métodos de diagnóstico precoce e tratamentos adequados fazem então toda diferença. Um diagnóstico de diabetes não é mais sinônimo de cegueira ou de insuficiência renal – desde que as intervenções sejam disponibilizadas a este paciente a tempo, com a segurança que o conhecimento médico hoje permite”.

Quem também segue em defesa dessa reinvenção dos conceitos e discussões acerca do envelhecimento é a jornalista Márcia Neder. Autora do livro ‘A Revolução das 7 mulheres – um perfil da geração 50+ que está reivindicando e reinventado a maturidade’, ela reforça que “envelhecer é bom” e não deve ser tratado com uma “cortina preta” de omissões. “Os 60 são os novos 60. Temos que parar com isso de ‘os 60 de hoje são os 50 de ontem’, estimulando a criação de falsas verdades sobre a idade, como se envelhecer fosse algo ruim. Temos que tirar a velhice do gueto, com convivência de gerações. Velhice é um privilégio. É bom, não é ruim”, afirmou.

A jornalista Marília Gabriela, de 69 anos, também participou do evento e brincou ao afirmar que era a primeira vez dela como convidada de algo onde assumia ser velha. “É o primeiro evento que participo para falar sobre envelhecimento, onde eu me assumo velha”. Ela contou a experiência diante dos holofotes da mídia, que prega um padrão de beleza jovem, mas que não se deixou levar por isso, e ainda explicou ao Portal Correio como percebeu – quando tinha 34 anos – que está envelhecendo.

“Foi uma casualidade. Eu olhei para o espelho e percebi: ‘eu envelheci’. Eu perguntava pra todo mundo e as pessoas diziam ‘não, não, você é louca’, mas eu olhei e percebi. Na sua intimidade você percebe, mas as pessoas não percebem. Isso você só percebe de novo daqui a alguns anos. Não é obrigatório [se notar velho desta forma, se observando no espelho]”.

Cidade Madura

Considerado um ‘recanto’ para um envelhecimento com segurança, o condomínio Cidade Madura, na Paraíba, abriga idosos em quatro unidades instaladas em João Pessoa, no bairro de Mangabeira, Guarabira, Campina Grande e em Cajazeiras. Outras duas unidades estão previstas nas cidades de Sousa, com previsão de entrega até o mês de abril de 2018, e em Patos, onde ainda está sob processo de licitação.

Todos os condomínios têm 40 casas de 54 metros quadrados, totalmente adaptadas para acesso de cadeiras de roda, apoios nos banheiros, terrenos planos, rampas e portas específicas.

Os idosos interessados devem se inscrever na Companhia Estadual de Habitação Popular (Cehap), ter a partir de 70 anos, renda de um a três salários-mínimos, ser autônomos ou se não tiverem renda, precisam atestar que dependem financeiramente da família, para que ela assuma as despesas.

No condomínio, eles pagam uma taxa simbólica de R$ 50, passam a ser concessionários das casas onde moram, não vivem internados ou isolados, podem viver com cônjuge ou companheiro (a) e são livres para ir e vir ou fazer qualquer atividade.

O local é fechado e tem segurança garantida pela Polícia Militar e por vigilantes cedidos pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Humano (SEDH). Familiares e amigos dos residentes podem ter acesso com liberação do morador no interfone. Caso seja necessário acesso de pesquisadores, jornalistas ou estudantes, por exemplo, é preciso fazer solicitação de autorização à Secretaria.

No local, os moradores têm acesso a um Núcleo de Assistência à Saúde com profissionais para atendimento diário porta a porta ou periodicamente.

“João Pessoa foi a primeira cidade a receber a ideia, que é única nesse formato no Brasil. Outros Estados nos procuraram para ver como funciona o projeto e expandi-lo no país”, explicou ao Portal Correio a coordenadora-geral do Cidade Madura, Nirleide Dantas.

Ela reforçou que o idoso não vive isolado. “Eles têm atividades diárias e são livres para ir e vir onde quiserem; participam de ações dentro do condomínio ou com famílias e comunidades fora dele. Não é uma internação; não há nenhuma forma de isolamento. Os moradores são livres e muito ativos”.

*O jornalista viajou a São Paulo para o evento a convite da Bayer Brasil.

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