Dando uma “passagem” em algumas letras da MPB, verifiquei alguns erros gramaticais e semânticos nos referidos textos. De algumas ocorrências, falaremos agora.
Vou fazer o seguinte: mostro o original e, em seguida, digo o erro, indicando a correção e a possível razão do erro.
Vamos começar com “Pingos de Amor”, sucesso cantado por Paulo Diniz (não sei o autor ou autores), na década de 70:
“Vamos ser outra vez nós dois
Vai chover pingos de amor…”
Versão correta:
Vamos ser outra vez nós dois
Vão chover pingos de amor…
O autor (ou autores) da letra confundiu a concordância dos verbos impessoais.
Realmente, os verbos que indicam fenômeno da natureza são impessoais (não têm sujeito) e devem ficar na 3ª pessoa do singular, desde que não estejam em sentido figurado. Nesse caso, flexionarão normalmente. Daí a razão da versão correta apontada por nós. É como se disséssemos, por exemplo:
Choveram reclamações naquela repartição.
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Agora, Roberto e Erasmo Carlos:
“Eu não me esqueço aquele tempo
E a saudade me machuca
Quando eu morava em sua casa
numa vila da Tijuca”
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“Eu me lembro com saudade e tempo que passou…”
Pelo visto, as relações de Roberto e Erasmo Carlos com os verbos lembrar e esquecer não são muito boas. São várias as incidências de erro; esses são apenas dois exemplos.
Os verbos lembrar e esquecer são transitivos diretos, desde que não pronominais. Lembrar-se e esquecer-se são transitivos indiretos.
De modo que, nas letras em questão, os compositores ou redigiriam:
Eu não esqueço aquele tempo, ou
Eu não me esqueço daquele tempo.
Eu me lembro com saudade do tempo que passou, ou
Eu lembro com saudade o tempo que passou.
Ainda Roberto e Erasmo:
“Você já fez a sua parte
Me pondo no mundo
Que agora é meu dono, mãe,
E nos meus planos não estão você…”
Trata-se de um erro crasso de concordância verbal. O verbo concorda com o núcleo do sujeito. A palavra “planos” parece ter embotado o raciocínio dos dois compositores.
Frase correta:
“Você já fez e a sua parte
Me pondo no mundo (é bom lembrar que a forma gramatical pondo-me prejudicaria a melodia. Aí, vale a “licença poética”).
Que agora é meu dono, mãe,
E nos meus planos não está você.”
Ou seja:
Você não está nos meus planos.
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Amado Batista
Em determinada música (não sei, é óbvio, quem compôs), Amado Batista diz:
“Não quero falar com ela
Entre eu e ela tá tudo acabado…”Não cabe preposição diante do pronome EU. O certo seria:
Não quero falar com ela
Entre mim e ela tá tudo acabado…
Mas exigir isso de Amado Batista seria demais…
AMBIGUIDADE
Existe uma música cantada por Reginaldo Rossi em que não há erro gramatical, mas, semântico.
O autor conseguiu um feito inédito: ultrapassar a ambiguidade.
A letra é a seguinte:
“Essa história se passou
Quando eu deixei meu grande amor
Naquela estação sorrindo…”
Aí foi demais!
Quem estava sorrindo, afinal: a estação, o “eu lírico”, o grande amor dele (a amada), ou o próprio amor (sentimento)? Vai ser difícil saber…