Acabou o intervalo. O primeiro em mais de seis anos de diálogos ininterruptos nas páginas do Jornal Correio e Portal Correio – onde derramo minha alma em sentenças reveladoras, seja pontuando o que penso sobre esse nosso Brasil tão singular; seja desnudando minha vida em conjunções mais explícitas que as fotos da Playboy.
Aliás, o que é uma foto quando o que está sendo despido é o próprio eu?
Mais uma vez, fotografarei aqui minha alma neste retorno.
E contarei os detalhes (em capítulos) dessa experiência inimaginável que ocorreu comigo ao longo do último mês – um momento que definitivamente ocupará espaço especial neste enredo que chamo de vida.
Aos 70 anos, mergulhado naquele comodismo típico da idade e de quem acha que, nesta altura do campeonato, tem direito a desfrutar da estabilidade conquistada a duras penas, resolvi oferecer aos meus neurônios um conflito desafiador:
Voltar, depois de 47 anos, à sala de aula.
Detalhe nada singular: meu aprendizado se daria em outro idioma, cercado por colegas de sete nacionalidades, vindos de três continentes diferentes.
E lá fui eu.
Sabe o que é aos setentinha acordar às 6h com o despertador, levantar rápido da cama (que você mesmo terá que arrumar), preparar o café, lavar a louça e cuidadosamente rechear a mochila com lápis, cadernos e livros?
Essa foi minha rotina – que me levou à jato de volta aos meus dez anos, ruas do Derby em Recife, bolsa a tiracolo, percorrendo a pé a distância até a escola.
Exatamente como ocorria naquela época, tão distante e quase desbotada na memória, eu também fazia meu trajeto a pé pelas ruas de Nova Iorque.
Digo, orgulhoso, que nunca atrasei.
Aliás, tomei precauções para que o aluno Roberto, em seu retorno à sala de aula, fosse sempre pontual: dias antes de iniciar os estudos, fiz e refiz o trajeto, cronometrando a trajetória.
Deu certo: fui sempre o primeiro diante do portão; o número um da fila que, diferente daqui, lá é regiamente respeitada.
Respondi sempre às chamadas nominais. E fiz todas as tarefas de casa, pois sabia que no dia seguinte seria tomada em questões aleatórias e eu deveria estar apto a responde-las.
Esse mundo novo chacoalhou tudo em mim.
Imagine o que é, de uma hora para outra, incorporar rotinas tão diferentes!
E passar a pensar e me comunicar em outro idioma, imerso numa cultura tão distinta…
Não foi fácil.
Mas a gente aprende até com os equívocos.
Errando, aprendi de fato algumas coisas que, apesar de corriqueiras, passavam despercebidas.
Por exemplo: a feira não se resume aos produtos gourmet que você escolhe com gula. O sal também faz parte da lista – e esquecê-lo compromete todo o resto.
Outra: por mais vistosos que estejam, não leve morangos para a quinzena. Pois a despeito do refrigerador, em três dias eles estarão passados.
Sim, também fiz supermercado. Arrumei casa. Lavei e sequei louças. Tudo isso enquanto quebrava a cabeça para introjetar as rígidas regras gramaticais do inglês.
Voltei renovado – de corpo e alma. E neurônios.
A mexida funcionou. E me pego relembrando fatos, nomes, situações que já tinham ido parar nalguma gaveta emperrada da memória.
Próximo ano estarei lá de novo, de volta à sala de aula.
Mochila nas costas, recheada de material didático e, principalmente, da mais viva esperança de que estes velhos neurônios ainda têm muito o que aprender…