O Centro de Artes da Universidade Federal Fluminense (UFF) realiza, entre os dias 7 e 18 de outubro, no YouTube, o 10º Interculturalidades – Movimento Armorial 50 Anos, que oferta ao público uma programação gratuita com mesas de debates, lives artísticas, exposições, mostras de cinema e apresentações musicais inspiradas no movimento lançado por Ariano Suassuna.
A proposta Armorial, remetendo às insígnias e emblemas da cultura, aparecia como uma arte de conformação erudita, criada a partir de elementos da cultura popular. O movimento teve início em outubro de 1970, no Departamento de Extensão Cultural da Universidade Federal de Pernambuco, e tinha entre seus propósitos pensar uma produção artística brasileira própria, original e inovadora, seguindo um processo de interlocução com as bases estéticas e culturais do país.
Em sua 10ª edição, o Interculturalidades, um dos projetos mais importantes da UFF e referência no cenário nacional, se reinventa, mais uma vez, para pensar, de modo coletivo e colaborativo, as novas reflexões desse Brasil profundo e real, com diálogos que bebem nas artes do povo, nas matrizes ameríndias, negras e ibéricas. Um convite para decifrar os signos e os encantos do Armorial, que convoca o público para uma experiência lúdica.
Para o reitor da UFF, professor Antônio Cláudio Lucas da Nóbrega, “é muito significativo o papel da universidade como espaço de garantia da expressão e da criatividade nesse contexto de necessidade de afirmação da cultura e das identidades. Nos anos 1970, a proposta se constituiu a partir da UFPE, e agora é sintomático que outra universidade, a UFF, se aproxime das contribuições desse movimento”.
“Nessa edição do projeto, retomamos a trajetória do Interculturalidades de articular o pensamento contemporâneo com a experiência viva dos processos da arte e da cultura, nesse caso trazendo à tona um leque de questões ligadas ao Movimento Armorial. A proposta é reviver os desafios encarados por esse movimento, produzindo também um balanço das suas proposições nos dias de hoje”, afirma Leonardo Guelman, superintendente do Centro de Artes UFF.
Um conjunto de atrações com mesas de debates, lives artísticas, exposições, mostra de cinema e apresentações musicais. Assim se apresenta a programação completa do evento. “A intenção não é só recordar uma experiência, mas projetar sobre o cenário político cultural extremamente achatado e empobrecido no Brasil, a expressão viva da multiplicidade da cultura, calcada na afirmação das diferenças e no reconhecimento profundo das marcas e contradições que produzem este país. Um futuro potente não pode prescindir dos modos de ser e fazer de que somos portadores”, diz Leonardo Guelman.
O evento traz participações de Maria Eugênia Tita, artista com importante trabalho de releitura das expressões culturais na dança, convidando, em sua performance, um reviver dessa potência que dialoga com as suas experiências. Na programação, a presença também de Alice Viveiros de Castro, autora do livro “Elogio da bobagem” em uma mesa sobre “O Circo Mundo Armorial”, que conta também com o ator e diretor Luiz Carlos Vasconcelos e o fotógrafo Gustavo Moura.
Luiz Carlos Vasconcelos encarna também o seu famoso palhaço Xuxu em leitura de trechos do “Auto da Compadecida”, realizando também uma residência artística em palhaçaria. Destaque também para o riso na poética popular, com a presença da atriz Letícia Sabatella falando de seu trabalho em cinema sobre os índios brincantes e palhaços da etnia krahô.
No teatro, destaque para a mesa “a construção da dramaturgia armorial” e a “homenagem aos 65 anos do Auto da Compadecida, com as participações de Amir Haddad e Matheus Nachtergaele. Em leituras dramáticas, espetáculos como “As Cochambranças de Quaderna”, da Cia Omondé, sob a direção de Inez Viana, e “Torturas de um coração”, da Cia Casa Verde, dirigido por Alexandre Damascena – as duas peças de autoria de Suassuna.
Outro ponto alto da programação é a presença de Antônio Nóbrega, em um encontro em que ele retoma e desdobra seus caminhos na arte a partir de uma primeira influência armorial. Destaque também para a participação de Maria Paula Costa Rego, bailarina que se une ao palhaço Martelo, do Cavalo Marinho (o mais antigo palhaço Mateus de Pernambuco em atividade) e Dinda em um espetáculo/live produzido para o evento.
São 50 anos do Armorial, mas também serão celebrados os 100 anos do poeta e cantador Rogaciano Leite, no encontro da cantora Isaar França, do cantador Oliveira de Panelas e do poeta Vinícius Gregório. No sarau virtual, a presença de poetisas se contrapõe a um ofício marcadamente masculino.
Na arte da gravura, destaque importante para a participação de um dos mais importantes xilógrafos do país, J. Borges, falando de seu Dom Quixote em cordel.
O evento conta com a participação de Antônio Madureira na mesa “A criação na música armorial”, contando também com o pesquisador Francisco Andrade e o músico compositor Sérgio Ferraz. Participam ainda os pesquisadores Sérgio Barza e Marília Paula dos Santos, abordando as heranças da música armorial.
Na música, destacam-se, ainda, as apresentações dos vídeos mosaicos do Grupo de Música Antiga, do Quarteto de Cordas da UFF e da Orquestra Sinfônica Nacional, além da apresentação do Grupo Gesta e do Duo Ana de Oliveira e Sérgio Ferraz.
A exposição ‘Das Pedras e dos Reinos’, sob a curadoria de Alan Adi, estabelece um diálogo contemporâneo com a riqueza visual da produção armorial, desdobrando a concepção das ‘Ilumiaras’, termo criado por Suassuna em referencia aos santuários de pedra em consagração ao povo brasileiro (tema que será desdobrado também em mesa e filme no evento). A exposição será apresentada também em conteúdo acessível, utilizando recursos de áudio descrição, libras e linguagem simples.
O Movimento Armorial, lançado em 1970, difundiu-se, articulando produções artísticas no âmbito da música, das artes plásticas, da literatura, do teatro e das poéticas do corpo, desdobrando também os caminhos que Ariano empreendia em sua trajetória de dramaturgo, em especial pelo sucesso crescente de ‘O Auto da Compadecida’, desde 1955. O aparecimento do ‘Romance d’A Pedra do Reino’, em 1971, e o êxito novamente alcançado, impulsionou a força do movimento, que se expandiu a partir do polo cultural do Recife, semeando experiências pelo país. Artistas como Antonio Madureira, Antonio Nóbrega, Capiba, Cussy de Almeida, Clóvis Pereira, Guerra Peixe, Gilvan Samico, Fernando Lopes, Raimundo Carrero, Janice Japiassu, entre outros, são expoentes de uma primeira cena armorial, acompanhando a linha inicialmente traçada por seu idealizador.