Crises convulsivas, dificuldade para respirar e se alimentar e músculos frágeis são sinais que podem caracterizar a hiperglicinemia não-cetótica, uma doença genética rara que afeta recém-nascidos.
Estudos apontam que, no mundo, a prevalência é de um caso em cada 250 mil nascimentos. Na Finlândia, por exemplo, a prevalência de hiperglicinemia não-cetótica é de um para cada 12 mil nascimentos. Já no Brasil, não há estimativa, conforme o endocrinologista João Modesto, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). “Basicamente, é uma doença metabólica de caráter hereditário. É um erro inato do metabolismo”, resumiu o especialista.
Sem cura, nem tratamento, a doença é evidenciada por um aumento da glicina. “É um aminoácido que usualmente não temos na dieta. Esse aminoácido atua como neurotransmissor que tem função na medula espinhal, na retina. Se o código genético tem alteração, ela vai subir”, observou. Uma das partes do diagnóstico é dosar a glicina no sangue e no líquor. Se estiver aumentada, indica o quadro que, nos bebês causa manifestações mais complicadas.
“É uma doença extremamente grave e um caso clínico que chama a atenção”, ressaltou. O paciente apresenta hipotomia, ou seja, os músculos se tornam fracos e flácidos; letargia (não expressa emoções) e até incapacidade de sucção mamária. Porém, o diagnóstico costuma ser tardio.
“O prognóstico, em geral, é sombrio. Não tem tratamento, só paliativos, medicamentos que podem ser usados, mas com pouco efeito. E a expectativa de vida depende da gravidade, mas geralmente a forma neonatal costuma ser a mais grave, vivendo dias, meses. Os que sobrevivem têm qualidade de vida extremamente difícil, podem ter retardo neurológico, psicomotor e, em muitos casos, têm que ter assistência respiratória”, constatou. Os medicamentos evitam convulsões e há também suporte à nutrição. “A resposta depende de cada caso”, completou.
Com apenas oito meses de vida, Letycia de Brito Lima foi diagnosticada com hiperglicinemia não-cetótica e, desde que nasceu, mora em um hospital de João Pessoa (PB). A mãe, Rosely dos Santos Brito, decidiu apelar para uma ‘vaquinha’ na internet para comprar o equipamento que vai facilitar a respiração da filha, mas três meses depois, só conseguiram arrecadar R$ 800. O aparelho custa R$ 43 mil.
Rosely havia feito a solicitação à Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa (SMS) para a bebê que, atualmente, está internada em um hospital particular. Porém, o equipamento recebido não era o solicitado pelo profissional que acompanha a menina.
“Dei entrada na Secretaria de Saúde do município em maio. Em agosto, conseguiram um aparelho, mas não era adequado. Tem que ter a ventilação mecânica”, lamentou. A nova solicitação foi feita à SMS pelo ‘respirador’ novo que é uma exigência do hospital para dar alta à paciente.
“A expectativa de vida dela é pouca, porque a doença é muito severa, mas nós vemos o contrário, que ela está reagindo bem, está melhorando, inclusive os reflexos. Ela precisa de fisioterapia. Não queremos dinheiro, mas chamar a atenção da Secretaria. É um direito nosso e dela”, completou Rosely.
A reportagem questionou a SMS sobre o prazo para entrega do novo equipamento, mas até o fechamento desta edição nenhuma resposta foi enviada.
“Minha filha nasceu no Hospital Edson Ramalho, em João Pessoa. Chegou a ficar em coma, teve paradas cardíacas. Lá, ela ficou 45 dias e teve alta, mas continuou com espasmos, convulsões e levamos para o Hospital Arlinda Marques, também na capital paraibana. Até aí, ninguém tinha o diagnóstico. O sangue foi coletado e enviado a Porto Alegre (RS) e de lá veio o resultado”, relatou Rosely, que se reveza com a mãe para ficar com Letycia no hospital.
Ela ficou internada durante cinco meses no Hospital Infantil Arlinda Marques até ser transferida para um hospital particular de João Pessoa, há 20 dias. “Agora, está conseguindo respirar sem ajuda de aparelho, mas para ir para casa, tem que ter o suporte para qualquer intercorrência”, disse Rosely. O caso também está na Justiça. Uma advogada ficou sabendo e resolveu ajudar a família que ainda não conseguiu marcar a perícia da menina no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Além da vaquinha, a família disponibiliza uma conta bacária para quem deseja ajudar.
*Texto de Lucilene Meireles, do Jornal CORREIO