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Intoler?ncia

Quem inventou que a velhice é a melhor idade com certeza não é velho.

Porque, quem chegou lá, sabe bem qual o peso – e a extensão – da carga que o tempo posta sobre os ombros dos longevos.

Não vou tergiversar: ficar velho é um saco!

A começar pelo catálogo de assuntos que passam a fazer parte da velhice.

Esse universo orbita entre cura de doenças, remédios milagrosos, a necessidades de exercícios e as (más) notícias dos obituários.

O envelhecimento também coincide com as privações alimentares. Tudo o que o seu paladar aprendeu a gostar ao longo dos anos terá que ser substituído por versões insossas e aguadas, que – para acabar de lascar – custam muito mais caro.

Completando o pacote, entra em cena a tese de que velhice é um estado de espírito. Como se ficar velho fosse meramente um fenômeno psíquico.

Não é.

Não tem mente jovial que escape das restrições físicas quando o vigor manda lembranças.

Se tem algo bom em ver tantos calendários passar é adquirir licença para ser um tantinho intolerante.

Eu cheguei a essa fase. E tenho até uma lista de coisas que não me sinto mais obrigado a aturar.

Não consigo mais ser tolerante, por exemplo, com vizinhos que nos encontra nas áreas comuns do prédio – inclusive no elevador – e não nos acena com um mísero cumprimento.

Também não consigo mais tolerar motoristas que andam a passos de tartaruga na faixa rápida da rodovia. Você buzina, emite sinais de luz e ele te ignora solenemente. Se sustenta lá, na mesma marcha lenta, nos obrigando a práticas de contravenções como forçar a ultrapassagem ou cortar pela direita.

O trânsito, aliás, é pródigo em criar situações impossíveis de aturar.

Quem consegue, por exemplo, reprimir um palavrão diante do camarada que acelera o carro quando vê pelo retrovisor que um veículo se aproxima desenvolvendo maior velocidade só para dificultar a ultrapassagem?

Faça o teste: quando você enfim consegue deixá-lo para traz, ele sossegará. Vai tirar o pé do acelerador e voltar à velocidade lenta inicial.

Outras situações que não tenho mais nenhum pudor em demonstrar intolerância são com os bêbados de festa – gente sem controle da própria saliva, borrifando cuspe sobre seus interlocutores, e sempre com uma longa e boa estória (no ponto de vista etílico dele, claro) para contar.

Ou, ainda, com os mal-educados que abandonam as cerimônias de casamento antes do fim para conseguir assentos privilegiados nos bufês. Já vi muitas noivas e noivos ficarem a sós, igrejas desertas, porque seus ilustres convidados desertaram em busca dos comes e bebes.

E o que dizer dos que vivem brigando com o relógio? Brigando e perdendo, pois sempre chegam atrasados aos compromissos. Não os tolero mais nem por um segundo.

Assim como não suporto os guardadores de carros que nunca estão quando você chega para auxiliá-lo no estacionamento, mas – não tenha dúvidas – estarão ao lado de sua janela na partida, mãos estendidas, pedindo a gorjeta por um serviço que não prestou. Não sabem sequer se você é realmente o proprietário do veículo.

À todas essas situações – e a seus protagonistas – a velhice me faculta o direito, sem constrangimento algum, de expor minha reação.

Pois o tempo me liberou para ser indelicado com as indelicadezas. E não mais tolerar quem não se constrange com a própria má educação.

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