Em outubro do ano passado, aos 62 anos, o teatro paraibano perdia um de seus nomes mais relevantes, Roberto Cartaxo. O diretor, dramaturgo e professor foi responsável por formar diversas gerações de atores e atrizes no estado, especialmente por seu trabalho na divisão de teatro da Fundação Espaço Cultural (Funesc).
Como forma de celebrar sua memória, um documentário guardado na gaveta por quase um ano finalmente será lançado. Em Veias Abertas, o diretor, ator e youtuber Omar Brito registra uma conversa entre o jornalista, ator e diretor de teatro João Costa e Cartaxo. “A gente costuma dizer que é um papo-reto, sem muitas voltas”, pontua Costa. O documentário não será comercializado, apenas exibido no Bar do Mané, um dos preferidos de Cartaxo, e depois disponibilizado no canal do YouTube de Omar, Literal Mente.
São abordados assuntos como a trajetória de Roberto no teatro, sua relação com artistas, governos e elencos durante o tempo em que dirigiu o Teatro Santa Roza, de 1995 a 2003 e de 2009 a 2011. “Ele foi um dos artistas que sentiu a pressão e o patrulhamento político ao trabalhar em órgãos públicos”, afirma João.
No mesmo período em que administrava o teatro mais tradicional da cidade, responsabilidade do governo estadual, também foi o diretor dos espetáculos da Paixão de Cristo promovidos pela Fundação Cultural de João Pessoa (Funjope), da prefeitura. “Ele afirma que percebia retaliações do governo estadual da época por conta disso, mas que nunca se dobrou a essas pressões”, relembra.
Os espetáculos da Paixão de Cristo nessa fase aconteciam em frente ao Santa Roza, com a presença de atores famosos, como Thiago Lacerda, atraindo grande público para a encenação pública. Com isso, recebeu bastante atenção da mídia nacional, com montagens consideradas de alto nível.
Veias Abertas, contudo, não utiliza apenas essa entrevista com Roberto Cartaxo para contar sua história. A conversa é costurada com depoimentos de atores, diretores e técnicos que trabalharam com Cartaxo, alguns desde a década de 1970.
Há falas de pessoas como o cenógrafo Waldemar Dornelas, o coreógrafo e iluminador Tiba Soares, o também iluminador e diretor João Batista, além de professores de dança, teatro e atores como Osvaldo Travassos. “São todos profissionais que conviveu com Roberto por décadas, desde o início de suas atividades no teatro, lá pela década de 1970. Ele sempre fazia questão de trabalhar com essas pessoas”, salienta João Costa.
A ideia de fazer esse documentário surge em 2017, motivada por uma das diversas crises que Roberto Cartaxo tinha, em decorrência de seus problemas de saúde. “O alcoolismo e a diabetes eram dois problemas muito graves. Lembro que, durante uma das oficinas de teatro da Funesc, ele não pôde concluir devido a esses problemas e eu que assumi do meio para o fim”, relembra. No entanto, isso não o impediu de continuar a exercer o ofício que tanto amava.
Essa força fez com que João e Omar admirassem ainda mais o amigo e, com isso, veio a proposta de documentar esse bate-papo, como uma espécie de documento histórico. “Escolhemos uma manhã durante um dia de semana, preparamos tudo e começamos a gravar. Não teve muito filtro, ele contou muita coisa que estava guardada”, explica João.
De certa maneira, uma parcela importante do teatro paraibano está registrada em Veias Abertas. Além de administrar o Teatro Santa Roza e encabeçar as produções da Paixão de Cristo, Roberto Cartaxo também conduziu, por alguns anos, o tradicional Auto de Natal do colégio Marista Pio X e germinou uma das sementes que desencadeariam no Fenart, principal festival de cultura e artes da Paraíba, cuja última edição aconteceu em 2010.
O diretor também foi responsável por fundar o curso de teatro mais tradicional da cidade, na Funesc, poucos meses após a fundação do Espaço Cultural, aberto ao público em dezembro de 1982. Depois de mais de 30 anos, o curso ganhou uma sala exclusiva para ensaios e ganhou o nome de Sala Roberto Cartaxo. Hoje, por sinal, está sendo apresentado nesta sala o espetáculo Queryda Neurose, uma montagem feita por alunos do curso da Funesc.
Mesmo com seu ofício de educador, Roberto Cartaxo era ator e diretor, essencialmente. Um de seus destaques foi a interpretação de João Dantas na peça Anayde, montada inicialmente em 1992 com direção de Fernando Teixeira. Como diretor, montou peças como Gota d’Água, de Chico Buarque e Paulo Pontes, incluindo uma adaptação, feita com alunos do curso de Teatro da Funesc, Joanas do Brasil.
Na época de seu falecimento, Luiz Carlos Vasconcelos foi um dos artistas que falou sobre Cartaxo. Amigos desde o Ensino Médio, no Colégio Estadual Bairro dos Estados, em João Pessoa, Cartaxo estrelou o primeiro espetáculo dirigido pelo artista, O Aborto, em 1976, criação do Um Grupo de Teatro.
“Com essa peça, conquistamos o prêmio do festival estadual de teatro, que nos deu uma vaga para a competição nacional, na Bahia. Ganhamos o grande prêmio e, com esse dinheiro, fundamos o grupo e a Escola Piollin de Teatro. Minha história e a história do Piollin está diretamente ligada a ele”, revelou.
* André Luiz Maia, do Jornal CORREIO