Maria Valéria Rezende balçança a cabeça negativamente quando vem a pergunta: “Você escreve todo dia? Como é sua rotina de escritora?”. “Tenho 1.500 coisas das quais cuidar, meu filho”, responde, rindo. “O pessoal pergunta e eu digo: “Isso se pergunta pra homem; pra mulher, não. Mulher não tem rotina de escritor. Eu tenho vários amigos que são casais de escritores. O cara vai, se fecha no escritório, ninguém chateia. A mulher tem o computador no quadradinho de distribuição do apartamento. Porque ninguém vai lá perguntar: ‘Seu fulano, acabou a margarina’”. Mesmo com essa ponderação, Maria Valéria mantém um ritmo forte de publicações. Neste sábado (15), autografa mais uma vez Ninho de Haicais (Ed. Casa Verde), às 10h, na Livraria do Luiz. E em janeiro, deve sair seu novo romance, pela Alfaguara, do grupo Cia. das Letras. O evento faz parte da Mostra Ocupa Flit Conde, prévia da feira literária que a cidade realizará em 2019.
Assista acima à entrevista de Maria Valéria Rezende ao Portal Correio
“Acho muito divertido aquelas entrevistas de escritor. ‘Qual é a sua rotina?’. ‘Eu acordo às 7h30 da manhã… Daí eu tomo um suco, vou dar uma caminhada… Aí, às 8h30 tomo um bom café da manhã, à 9h me tranco no meu santuário. Lá não toca telefone, ninguém me chama, até uma da tarde me dedico totalmente à literatura. Daí à uma eu almoço, descanso até às três, daí me tranco novamente até às oito da noite. Daí é que vou a um cinema, algum espetáculo, encontrar os amigos…’. ‘Quando é que o senhor considera um dia proveitoso em termos literários?’. ‘Quando eu consigo escrever um bom parágrafo’”, diz, rindo. “Puxa, se eu tivesse essa vida, escrevia um livro por semana!”.
Ninho de Haicais é editado num formato que convida o leitor a “colaborar” com o livro. Os versos (haicai é uma forma de poesia tradicional japonesa, com apenas três versos) estão dispostos nos cantos de cada página, deixando espaço para que o leitor escreva os seus, se assim quiser. “Se você não for maníaco de haicais, você lê um livro em 15 minutos, bota na estante e acabou, esqueceu”, diz. “E ele não é para isso, ele é uma poesia meditativa. Deveria ler um por dia. A ideia do livro é que seja uma coisa que você usa, não é um livro no sentido tradicional. Essa ideia da literatura como uma coisa misturada com o nosso cotidiano — como sempre foi em outras civilizações e outros momentos da história”.
O livro, de pequenas dimensões, tem capa cartonada e um elástico/ marcador que dá a ele a aparência de um moleskine. Nisso, está antenado com um formato que “enfrenta” o livro digital fazendo do livro interessante como objeto. “O objeto livro está sendo muito mais cuidado. Hoje estava olhando na minha biblioteca um livro dos anos 1940 que não tinha nem imagem na capa, nada. Ou seja: o livro, em si, era só o portador do texto”, analisa. “Agora, você pega um livro que se torna um objeto de arte. Que nem necessariamente vai ser lido. Ele vai enfeitar a sua sala. As pessoas falam cada vez mais de cheiro de livro, da embalagem, de estar numa caixinha…”.
E isso não significa que Maria Valéria não seja uma adepta do livro digital: não sai de casa sem seu kindle.
Seu novo romance, Carta à Rainha Louca, se passa no século XVIII e a narrativa é construída como cartas de uma mulher da época. O que demandou um texto mais complicado de produzir. “Eu me dei o desafio de escrever numa linguagem absolutamente plausível para o século XVIII, mas o mais legível possível no século XXI”, conta. “Então deu uma trabalheira danada, talvez não seja tão fácil de ler”.
Mas este romance está pronto desde fevereiro. Maria Valéria está trabalhando no seguinte (ou nos seguintes, ela vai escrevendo mais de um livro ao mesmo tempo em seu celular). Um deles, Toda Família Tem um Esqueleto no Armário, é baseado um pouco em seu avô, que era fotógrafo ambulante pelo interior de São Paulo e Minas. “Ele andava com oito mulas, um camarada e o estúdio dele todo desmontável”, conta. Na trama, um velho fotógrafo vai ceder seu material para o arquivo público e um neto vai ajudá-lo. “Ele fica com pena do garoto de estar naquela chatice de catalogar fotos, então cada foto que ele pega, vai contando uma história. Muitas são histórias verdadeiras, as pessoas me contam histórias de suas famílias”.
Ela conta também que gosta de repetir certas histórias em seus livros. “Eu me autoplagio”, diz. “N’A Rainha Louca vai aparecer de novo a história do sagui, que eu já tinha usado n’O Voo da Guará Vermelha, está no Modo de Apanhar Pássaros à Mão. Eu a reeescrevo, com outra linguagem, encaixada em outro contexto – e as pessoas não percebem. Eu me divirto, faço de propósito”.
*Texto de Renato Félix, do Jornal CORREIO