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Mulheres estupradas revelam como tentam vencer dor após violência

Juliana* estava em casa. Roberta* também. Juliana é casada. Roberta não mais. Juliana foi estuprada por três homens em um terreno atrás de sua residência. Já Roberta, era violentada sexualmente pelo próprio marido durante anos. Uma ainda carrega as dores físicas e emocionais do trauma. A outra conseguiu superar e está tocando uma nova vida. Para muitos, essa quinta-feira (8) foi marcada como uma comemoração do Dia Internacional das Mulheres. Não para Juliana e Roberta. Elas não têm muitos motivos para comemorar. As duas engrossam uma realidade dura que assola as mulheres paraibanas.

Só em 2017, a Secretaria de Saúde registrou 257 notificações de casos de estupro. Neste ano, apenas em janeiro e fevereiro já foram 20 casos. Mas o que há por trás desses números assustadores? Dor, medo, trauma e tudo mais que uma violência como esta traz. Para os poderes públicos, Juliana e Roberta são apenas mais duas nas estatísticas. Porém a realidade é bem diferente para elas e para as suas famílias.

O dia era 12 de janeiro deste ano. Juliana estava sozinha em sua casa quando três homens encapuzados invadiram, trancaram seu tio, que morava na casa vizinha em um outro cômodo e a levaram para um local escuro por trás da residência. Lá, eles a estupraram. Todos estavam armados. Hoje, ela ainda guarda os traumas causados por este dia.

Desde então, ela não voltou mais para a sua casa. Está morando com seu pai, que também é vizinho. O marido teve que tirar férias do trabalho para poder ajudá-la. Trabalhar e estudar ainda são atividades que demandam muito esforço dela para ser feito. E quanto aos estupradores? Apenas um deles está preso. Os outros dois seguem sem ser identificados.

Mas quem seria capaz de cometer um crime assim? O único identificado é um velho conhecido que estava na Paraíba há poucos meses após ter voltado do Rio de Janeiro, onde já era procurado por ter estuprado a enteada, de apenas 10 anos. Ao voltar para a terra natal, ele foi recebido de braços abertos pelo pai da vítima.

“Quando ele chegou do Rio, eu dei um abraço nele e disse: seja bem vindo. Eu não sabia que ele estava envolvido. Ele morava aqui perto. Os outros dois até agora a polícia não conseguiu pegar, mas eu acho que eram conhecidos porque estavam encapuzados. Antes dele ir para o Rio de Janeiro, ele vinha aqui. Na reforma da igreja ele até ajudou a colocar cerâmica. Comeu na minha casa já, e partiu para esse lado”, disse.

A dor não atinge apenas a própria vítima, mas também toda a família, como o próprio pai falou.

“Você tá ouvindo um pai que viu sua filha ser molestada e infelizmente não pode fazer nada. Eu peço que encontre estes bandidos e que punam. Eu tenho 46 anos, já ouvi falar que tinha acontecido esse tipo de crime, mas você nunca espera acontecer com você ou com sua família. É um sentimento de angústia. O pior de tudo é não poder resolver. Você depende das autoridades. Até agora não se sabe quem foram os outros. Eu dependo de Deus, das pessoas que queiram ajudar. Tem gente que viu alguma coisa, mas não tem coragem de dizer porque teme morrer. É complicado demais. É muito complicado. Espero que haja um meio, não sei como, que se crie uma solução. Eu não vejo uma forma que poderia resolver isto”, lamentou emocionado.

Hoje, apesar das feridas, Juliana ainda tenta tocar a vida. Ela está fazendo um tratamento psicológico e contando com o apoio da família.

Agressor dentro de casa

Já a história de Roberta foi diferente. Não houve arma nem capuz. Muito menos escuridão ou tentativa de esconder a identidade. O agressor era bem conhecido. Foi o homem que ela escolheu com o pensamento de passar o resto da vida. É o pai dos filhos dela.

Disfarçado de um bom moço, o dito ‘cidadão de bem’, o marido de Roberta montou uma espécie de personagem durante todo o relacionamento pré-matrimônio. Porém, ele mostrou a verdadeira personalidade já na noite de núpcias, apesar de já ter dado sinais anteriormente.

“Em três momentos ele teve atitudes que me fizeram repensar durante o noivado. Agressividade em relação ao comportamento sexual. Eu conversei com ele, pois decidi casar virgem e ele insistia, chegou até a bater no meu rosto. Mas eu já estava envolvida. Em novembro de 2005 a gente se casou. Logo na lua de mel ele se mostrou um monstro. Ele foi muito violento, um monstro. Seguiu o casamento, logo com três meses de casada eu engravidei. Desde de criança eu sonhava em ser mãe, como eu vi esse lado violento dele, eu me apeguei muito a Deus e pedi para que ele colocasse alguma coisa que fizesse sentido ao casamento. Por conta da questão religiosa que o casamento é indissolúvel”, disse.

Mas o que poderia servir como uma solução para os problemas, acabou sendo ainda mais traumático para Roberta. Durante a gravidez, ela disse que foi completamente esquecida pelo marido, chegando até a dormir em quartos diferentes.

“Quando foi confirmada a gravidez, eu simplesmente não existia enquanto mulher para ele. Nem na cama ele dormia comigo. Minha gravidez foi muito solitária”, revelou.

Com o passar do tempo, as agressões foram ficando cada vez mais frequentes, passando inclusive para a questão física, além da psicológica e moral. Ainda assim, Roberta engravidou novamente. A partir daí, as coisas pioraram consideravelmente. Quem teoricamente não tinha nada a ver com o problema foi mais uma vítima da violência machista: o primeiro filho da criança.

“Meu filho foi crescendo e começou a vivenciar a agressividade do pai e algumas atitudes do avô também. Quando foi em outubro de 2008, nasceu minha filha. Uma gravidez emocionalmente muito perturbada. Depois que ela nasceu, meu filho começou a conviver com certas situações. Gritos de uma criança recém-nascida e gritos do pai. Em uma das vezes ele estava mamando, aí a menina começou a chorar. Ao invés de acalentar a menina, o pai não fazia nada e ainda ficava gritando e o menino foi ficando assustado. Isso durante pelo menos seis meses. Quando meu filho estava com dois anos e meio, ele começou a apresentar um comportamento diferente. Depois de mais ou menos dois anos, nós conseguimos o diagnóstico do meu filho. Ele desenvolveu autismo. Foi um momento muito difícil para mim como mãe”, lamentou.

Hoje, Roberta finalmente conseguiu o divórcio, após mais de três anos de espera. Ela já está em um novo relacionamento e pretende se casar em breve. Apesar de todas as dores sofridas, ela mostra que ainda há uma luz no fim do túnel.

“Não desistam dos sonhos, eu estou aqui para contar, Foi o que eu vivi. Não foi fábula, foi realidade dura, terrível”, finalizou.

Equipamento público ajuda no apoio às mulheres

Apesar de estarem inseridas em uma sociedade pautada pelo patriarcado e machismo, as mulheres, aos poucos, vão conquistando espaços e avanços. Um desses avanços é o Centro de Referência da Mulher Ednalva Bezerra, localizado em João Pessoa. O local serve para dar apoio em várias áreas para mulheres que tenham sido vítimas de qualquer tipo de violência. O serviço já existe há nove anos e atendeu aproximadamente quatro mil mulheres nesse período.

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Centro de Referência fica no Centro de João Pessoa (Foto: Reprodução/Google Street View)

O Centro é atendido por uma equipe multidisciplinar, composta por advogadas, psicólogas, assistentes sociais, entre outras. Além disso, o local tem parceria com setores da saúde e segurança e é ligado à Secretaria Extraordinária de Políticas Públicas para as Mulheres de João Pessoa. Para ter acesso, as mulheres podem entrar em contato através do telefone: 0800-2833883. Além desse, a Paraíba conta com outros equipamentos que auxiliam as mulheres.

Enquanto uns ‘comemoraram’ o Dia da Mulher dando flores, chocolates e bombons, as mulheres esperam apenas respeito, reconhecimento, igualdade, menos violência e a oportunidade de viver em uma sociedade em que o machismo não impere.

*Os nomes das vítimas são fictícios e foram alterados para preservar a identificação verdadeira delas.

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