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‘Não tem mais essa água toda’, diz comitê do São Francisco

PB não faz parte da bacia hidrográfica do São Francisco, mas como passou a receber água da transposição

A água do Rio São Francisco chegou à Paraíba em março de 2017, depois da conclusão do eixo leste da transposição, e tirou do sufoco a segunda região mais populosa do estado que estava à beira de um colapso no abastecimento. Naquela época, cerca de 1 milhão de pessoas em Campina Grande e cidades vizinhas enfrentavam um rigoroso esquema de racionamento para manter os cerca de 5% de água restantes no Açude Epitácio Pessoa, na cidade de Boqueirão, onde também não chovia.

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“Para mim foi com muita alegria e alívio que recebi a notícia da chegada da água a Campina Grande, pois o açude estava secando rapidamente e a água de Boqueirão não estava mais prestando para o consumo. Eu passei até a cozinhar com água mineral, mas graças a Deus a situação do açude melhorou”, disse a aposentada Marisete Vilar de Araújo, que mora no bairro do Centenário, em Campina, considerando o rio como um “milagre” que salvou a cidade da seca devastadora.

O que poucos sabem é que o rio precisa de R$ 30,8 bilhões para ser revitalizado e protegido da devastação, que o ameaça e coloca em risco o abastecimento de quase 20 milhões de pessoas, em mais de 500 cidades de seis estados. “Não tem mais essa água toda”, explicou o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBSH), Anivaldo de Miranda Pinto, durante entrevista coletiva do II Simpósio da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, que ocorreu entre os dias 3 e 6 de junho, em Aracaju (SE). 

Segundo ele, a falta de cuidados e um projeto de transposição questionável estão causando danos ao rio que corta 8% do território nacional e é responsável por 70% dos 3% de água doce disponíveis no Nordeste. “Não somos contra levar água para quem precisa, mas aquele projeto ficou ruim”, disse Anivaldo, ao criticar a forma como a transposição foi planejada e executada.

Quem recebe a água

Além das cidades da bacia hidrográfica, a água alcança mais regiões por meio do projeto de integração. A transposição é composta por dois eixos principais (Leste e Norte), com extensão total de 477 quilômetros – o empreendimento é composto por estruturas como aquedutos, estações de bombeamento, túneis e reservatórios. A integração busca assegurar abastecimento de água a 12 milhões de pessoas, que vivem em 390 municípios dos estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba.

Veja a lista de cidades:

A Paraíba não faz parte da bacia hidrográfica do São Francisco, mas como passou a receber água da transposição pelo eixo leste e vai ter ainda o eixo norte para o Sertão até agosto deste ano, precisa saber que o recurso aparentemente abundante já está ameaçado e também corre o risco de acabar.

“Achamos que a água é um bem infinito. Não é”, alertou o vice-presidente da Comissão do Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil em Sergipe (OAB), Honey Gama, que participou do evento em Aracaju e também é coordenador da Câmara Consultiva dBaixo São Francisco.

O que é o plano de revitalização

Conforme o documento, o Rio São Francisco pode seguir com a geração de energia, mas sem prejuízos à natureza. A ideia é incorporar energia limpa, como eólica e solar, para diversificação da matriz energética. Arivaldo Miranda acredita que isso é viável e deu como exemplo para comparação a crise do desabastecimento provocada pela greve dos caminhoneiros. “Por que não investimos nos transportes ferroviários e aquáticos? Não precisamos extinguir os caminhões, mas também não devemos ficar reféns deles”, afirmou.

Outro ponto abordado no documento é o esgoto zero no Rio São Francisco. Na Paraíba, um dos canais da transposição na cidade de Monteiro virou alvo do Ministério Público por causa do lançamento de esgoto no local. “É uma estupidez dizer que um rio perde água para o mar, como muitos falam por aí, inclusive aqueles que se dizem especialistas. O encontro do rio com o mar propicia a existência de um ecossistema, que precisa ser preservado. Há pessoas jogando esgoto nos rios e isso é o que deve ser criticado e mudado urgentemente”, defendeu Anivaldo.

Anivaldo de Miranda explicou que o plano de revitalização batizado de ‘Novo Chico’ foi lançado em 2016 e está na mão do poder público e de órgãos que representam a sociedade civil, mas a burocracia e os entraves políticos não ajudam para que a ideia saia de uma vez do papel.

“Está todo mundo de olho na Amazônia, o que é muito bom e tem surtido efeitos, mas estão esquecendo do Serrado e da Caatinga [por onde o rio passa], que são devastados impiedosamente”, afirmou, alertando que o Serrado e a Caatinga poderiam ser incluídos como patrimônio nacional, da mesma forma que já ocorreu com a Mata Atlântica e a Floresta Amazônica. Segundo ele, esse reconhecimento ajudaria a preservar o meio ambiente da bacia.

O que diz o Governo Federal

O Governo Federal lançou o Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – Plano Novo Chico -, em agosto de 2016, com o objetivo de consolidar e ampliar as ações de revitalização feitas em diversos níveis. Presidido pela Casa Civil, o Comitê Gestor do Plano é composto pelos ministérios da Integração Nacional; do Meio Ambiente; do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão; de Minas e Energia; das Cidades; da Fazenda; da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações; da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; e da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário. 

“O propósito é de aumentar a quantidade e qualidade da água para a população e garantir a preservação, conservação e uso sustentável do rio. A expectativa é beneficiar os 505 municípios que compõem a bacia”, disse o Ministério da Integração. 

O Plano, que prevê ações para os próximos dez anos (2017-2026), é executado em cinco eixos: saneamento, controle de poluição e obras hídricas; proteção e uso de recursos naturais; economias sustentáveis; gestão e educação ambiental e planejamento e monitoramento. Segundo o governo, neste primeiro momento são priorizados o término das obras de abastecimento de água e de esgotamento sanitário que estão em andamento. 

“São obras que envolvem a proteção e a recuperação das nascentes, controle de processos erosivos e recuperação de áreas degradadas, educação ambiental e capacitação institucional, coleta e tratamento de resíduos sólidos, saneamento básico, infraestrutura hídrica, modernização da irrigação, apoio à produção sustentável, fiscalização ambiental, unidade de conservação, dentre outras”, informou o ministério. 

O plano de revitalização do São Francisco envolve vários ministérios. Somente o Ministério da Integração Nacional, por meio da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Francisco (Codevasf), investiu mais de R$ 1,9 bilhão em sistemas de esgotamento sanitário e abastecimento de água; gestão de resíduos sólidos e controle de processos erosivos, desde 2007.

“Esses sistemas preservam os recursos hídricos, com redução de focos de doenças e poluição do subsolo e de mananciais, como córregos, rios e lagos. Já foram finalizadas mais de 83 obras de esgotamento sanitário e 14,9 mil ligações intradomiciliares. Os sistemas são compostos por estações elevatórias e de tratamento e redes coletoras. Entre os exemplos estão as obras de Lagoa da Prata (MG), Brasilândia de Minas (MG) e Petrolina (PE)”. 

Na área de recuperação ambiental e controle de processos erosivos, as intervenções têm o objetivo de proteger a água disponível nas localidades. Essas ações contam com variados métodos de trabalho, como revegetação e proteção de nascentes e matas ciliares. 

Desde o início das ações, já foram cercadas e protegidas 1.177 nascentes; implantados 1,4 mil quilômetros de cerca para proteger áreas de mata ciliar e topo de morro; realizadas 35 mil bacias de captação de enxurrada e 1,5 mil quilômetros de terraços – além da readequação ambiental de 184 quilômetros de estradas vicinais. 

A expectativa é de que outras quatro mil nascentes sejam recuperadas nos próximos anos, além da construção de barraginhas e curvas de nível que aumentam a recarga do lençol freático e reduzem o carreamento de sedimentos para o leito do rio. 

Outra ação importante é o investimento da Codevasf em seus Centros Integrados de Recursos Pesqueiros e Aquicultura. Os locais promovem repovoamento de peixes de espécies nativas na bacia do São Francisco. 

Desde 2007, já foram realizados cerca de 760 peixamentos, com inserção de mais de 72 milhões de alevinos. Essas ações também têm auxiliado famílias que dependem da pesca como fonte de renda. Na área do São Francisco existem, aproximadamente, 44 mil pescadores artesanais, que se beneficiam direta ou indiretamente desses peixamentos.

Além das ações do Ministério da Integração Nacional, outros órgãos federais contribuem com a revitalização da Bacia do Rio São Francisco: Fundação Nacional de Saúde (Funasa); Ministério das Cidades; Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente; e a Agência Nacional de Águas (ANA). 

Para mais informações sobre as ações de revitalização executadas pela Integração Nacional, acesse o portal da Codevasf.

O Ministério do Meio Ambiente informou que executa:

  • Fiscalização Ambiental, em parceria com o IBAMA e Ministérios Públicos Estaduais da Bacia, a fim de estimular práticas que previnam e reparem danos ambientais;
  • Em fase de finalização das etapas de Prognóstico e Subsídios à Implementação do Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, que foram precedidas do documento de “Atualização e Complementação do Diagnóstico do Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco”;
  • Programa de Capacitação de Gestores Municipais (PNC) na BHSF. Foram realizados 05 (cinco) cursos de capacitação na Bacia do Rio São Francisco no estado da Bahia (municípios de Paulo Afonso, Xique-Xique e Barreiras), Sergipe (Propriá) e Pernambuco (Petrolina). O conteúdo dos cursos incluiu discussões sobre as Políticas Nacionais de Meio Ambiente, de Recursos Hídricos e de Saneamento Básico; Gestão, Planejamento e Ordenamento Ambientais; Participação, Mediação e Controle Social.

O Ministério do Meio Ambiente disse ainda que a publicação do Decreto nº 9.179/17, de 23 de outubro de 2017, institui o Programa de Conversão de Multas Ambientais emitidas por órgãos e entidades da União integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama). As Bacias Hidrográficas do Rio São Francisco e Parnaíba foram as áreas escolhidas para aporte inicial das conversões de multas do Ibama, reforçando o compromisso social, político e institucional do Governo Federal na revitalização do Rio São Francisco.

Segundo o ministério, o primeiro chamamento público n° 01/2018 lançado em 12 de março de 2018, encontra-se aberto para selecionar projetos voltados à recuperação de Áreas de Preservação Permanente (nascentes e áreas marginais aos cursos d’água) e de recarga de aquíferos, na Bacia do Rio São Francisco, e à implementação de ações de adaptação às mudanças climáticas e de convivência sustentável com a semiaridez na Bacia do Rio Parnaíba”, disse o ministério.

“Nesse sentido, acena como perspectiva para 2018, a execução desse edital, a partir da seleção de projetos cuja escala de intervenção proporcione a recuperação de grandes áreas, levando os serviços ambientais prestados a promoverem resultados contribuindo para o processo de revitalização da bacia”, disse o ministério.

A Pasta destacou  ainda que promove em junho de 2018 o seminário ‘O Brasil que cuida de suas águas: construindo as bases para o Programa Nacional de Revitalização de Bacias Hidrográficas’ que inicia o processo de construção do Programa Nacional de Revitalização de Bacias Hidrográficas.

“O evento tem por objetivo coletar subsídios, propostas e sugestões, além de integrar e mobilizar parceiros para o tema da revitalização de bacias hidrográficas, em especial da bacia do Rio São Francisco. Em seguida está prevista a realização de encontros regionais e temáticos envolvendo parceiros do governo federal, os governos estaduais, sociedade civil, academia, organismos de bacia, organismos internacionais, agentes financiadores, entre outros”.

O Ministério da Casa Civil foi procurado, mas não enviou resposta à solicitação do Portal Correio.

Governo da Paraíba

A Paraíba não faz parte da bacia hidrográfica do São Francisco, mas por receber água do rio, por meio da transposição, precisa trabalhar na gestão dos recursos. O secretário de Infraestrutura, Recursos Hídricos, Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia, Deusdete Queiroga, disse que o projeto de revitalização do Rio São Francisco é implantado pelo Governo Federal, através dos Ministérios de Integração e do Meio Ambiente. “A Paraíba não teria como atuar diretamente nessa questão, até porque a Bacia do Rio São Francisco não tem qualquer área dentro do território paraibano”, explicou.

Especialistas em recursos hídricos de vários estados do país discutiram a gestão das águas do Rio São Francisco na 8ª reunião extraordinária do Comitê da bacia hidrográfica Piancó-Piranhas-Açu. O encontro ocorreu nessa quinta-feira (7), em São José de Piranhas (PB), e com a participação de diretores da Agência Executiva de Gestão das Águas da Paraíba (Aesa).

O presidente da Aesa, João Fernandes da Silva, debateu sobre desafios da regulação e gestão das águas transpostas, com representantes da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Companhia de águas e esgotos do Rio Grande do Norte (CAERN).

O evento ocorreu até essa sexta (8) e contou ainda com um representante do Ministério da Integração Nacional, explicando o andamento das obras da transposição; um técnico da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) explicando a operação e a manutenção da infraestrutura da Projeto de Integração do Rio São Francisco (Pisf). Já o detalhamento do plano de ação para recuperação dos reservatórios que estão na agenda do projeto foi apresentado por um diretor do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS).

O simpósio

O simpósio, que ocorreu entre os dias 3 e 6 de junho, em Aracaju (SE), foi aberto pelo reitor da Universidade Federal de Sergipe (UFS), que defendeu a participação efetiva das instituições de ensino superior no desenvolvimento de estudos e aplicação de pesquisas a favor do meio ambiente. “Temos que defender a vida daqueles que dependem essencialmente do rio”, pontuou. A abertura do evento ocorreu no Dia Nacional de Defesa do Velho Chico, criado em 2014 pelo CBHSF.

A abertura da segunda edição do simpósio ocorreu no Hotel Sesc, no bairro de Atalaia, na Orla de Aracaju. Participaram o presidente da Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso), José Gabriel Almeida de Campos, o secretário do Meio Ambiente de Sergipe, Olivier Chagas, Anivaldo Miranda, o reitor da UFS Ângelo Antoniolli, o professor da UFS Inajá Francisco de Sousa, o coordenador da Câmara Consultiva Regional (CCR) do submédio da região do São Francisco, vinculado ao CBHSF, Julianeli Tolentino e Honey Gama.

#VireCarranca

O evento marcou também o lançamento da campanha #VireCarranca, com a mensagem ‘Eu Amo O Velho Chico’, da agência Tanto Expresso. O uso da carranca na campanha remete ao ser mitológico dos pescadores e ribeirinhos, que veem nela um elemento de proteção contra o mal.

“A campanha focou nas redes sociais e traz essa sensação de pertencimento, de relação afetiva com o rio”, explicou Paulo Vilela, presidente da Tanto. Segundo ele, a imagem agressiva da carranca remete à ideia de que todos devem usar essa ‘ferocidade’ para defender o rio. Ao usar a tag nas redes sociais, os internautas colaboram com a conscientização coletiva de que o Rio São Francisco deve ser protegido.

CBHSF

O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) é um órgão colegiado de natureza consultiva, deliberativa e normativa, integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e vinculado ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos, nos termos previstos na Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, no Decreto de 5 de junho de 2001 e na Resolução nº 05, de 10 de abril de 2000, do Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH.

O CBHSF tem como área de atuação a totalidade da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, localizada nos Estados de Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Distrito Federal, delimitada pela sua área de drenagem com sua foz, nas coordenadas 36º 24′ longitude oeste e 10º 30′ latitude sul.

O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco é composto por representantes:
I – da União;
II – dos Estados de Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe;
III – do Distrito Federal;
IV – dos Municípios situados, no todo ou em parte, nessa bacia;
V – dos usuários das águas de sua área de atuação; e
VI – das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada nessa bacia.

Saiba mais informações no site do CBHSF.

*O jornalista viajou para Aracaju a convite da CBHSF e da Agência Peixe Vivo.

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