Ao longo da vida passamos por momentos marcantes que, de alguma forma, nos transformam. Alguns não são “dizíveis” (seja por bom senso ou por sigilo mesmo). Mas todos são inesquecíveis.
A primeira comunhão; a formatura; o primeiro emprego; a inauguração do primeiro empreendimento; a perda de uma pessoa querida; a primeira namorada e a primeira paixão (que não ocorre, necessariamente, com a mesma pessoa).
Todos eles trazem consequências – algumas boas, outras nem tanto.
Mas nenhum dos acontecimentos que listei até aqui se compara à chegada dos filhos.
Sempre que sabia que seria pai, sobrevinha a alegria. Depois, a responsabilidade. Ato contínuo, a consequente mudança de comportamento.
Ser responsável por alguém implica – necessariamente – ser (mais) responsável consigo mesmo.
Quem é pai ou mãe sabe bem do que estou falando.
Filhos dão coragem para guerrear e também para evitar a guerra; nos fazem querer voar e, ao mesmo tempo, firmam nossos pés no chão.
Os filhos nos tiram, principalmente, da condição singular. Você deixa de falar, pensar e agir em primeira pessoa. A partir deles, somos nós.
Talvez seja por isso que, nesta manhã de domingo, esteja me sentindo menos plural.
Volto ao singular após casar minha filha caçula, Bruna.
E ver a última filha partir para construir sua própria família (trilhando os caminhos empreendidos antes por Alice, Bia, Robinho e Lucas) me traz a sensação de dever cumprido e, ao mesmo tempo, provoca uma estranha leveza.
Não, os filhos não pesam nem são fardos. Até porque o amor que eles nos inspiram é absolutamente libertador.
Cuidar e ser responsável por eles, porém, nos impõe determinados freios.
E eles se foram.
Podem apostar: pendurar as chuteiras não está nos meus planos. Como dizia antes, e repito neste momento, “agora é que vou subir em postes de costas”.
Será que voltarei a treinar de kart? Tirarei da gaveta meu brevê de piloto? Ou pegarei minha mulher Sandra pelas mãos e vamos bater pernas mundo afora?
Talvez continue apenas ampliando minha coleção de miniaturas, embora minha cabeça esteja escalando neste momento o Everest.
Agora (que todos estão encaminhados, com suas famílias e profissões) eu posso.
Posso tudo – tudo o que a paternidade não recomendava; tudo o que só se pode quando os pequenos viram gente grande e não precisam mais da gente.
A casa está vazia; o coração está cheio – não só de planos singulares, mas também de saudades de um tempo em que, com minhas mãos, eu amparava tantos sonhos.
E me sentia – para eles, por causa deles – o cara mais imprescindível e imbatível do mundo.