A cena está no imaginário de todo brasileiro:
A esquadra aporta no litoral sul da Bahia – era tarde do dia 22 de abril de 1500 e os portugueses registraram na história que haviam descoberto o novo mundo.
Vieram preparados, cheios de quinquilharias para agradar os nativos. E agradaram:
Os índios receberam espelhos e entregaram o “ouro” – e assim começou a história brasileira, à base de um escambo absurdamente desigual, que podemos estar prestes a repetir num futuro muito próximo.
Neste futuro, que já começou, continuaremos a trocar nossas riquezas (graciosamente ofertadas pela caprichosa e generosa natureza) por uma nova “bugiganga”, essencial na era que se inicia:
A tecnologia!
Nossa posição no ranking mundial de desenvolvimento tecnológico é um vergonhoso traço – nada, ou quase nada, está nos preparando para subir o que o mundo digital está chamando de terceiro degrau.
Há duas semanas, em módulos de seis horas por dia, pude antever o que está sendo erguido nesta era nova.
O treinamento, ministrado por um futurologista que dá consultoria para grandes corporações dentro e fora do Brasil, fez a ficha cair:
Vamos, mais uma vez, ficar para trás!
Quem ainda não teve um vislumbre desse amanhã pode acreditar piamente que estamos indo relativamente bem:
Nenhuma nação do mundo reúne condições tão favoráveis para o cultivo de grãos e carnes;
Somos recordistas mundiais na exportação de pelo menos quinze commodities e avançamos para segundo lugar em mais uma meia dúzia delas;
O solo é rico em minerais, acabamos de descobrir uma fortuna de petróleo no pré-sal e abrigamos as maiores reservas hídricas do planeta.
Some-se a isso o bom jeitinho brasileiro, que encanta na recepção turística; o talento nato para empreender; e os avanços que, compassada e progressivamente, a indústria imprime no setor secundário da economia – notadamente nos segmentos aeronáutico e automobilístico.
A despeito de toda a turbulência política, a sensação predominante é de saciedade: a barriga é cheia no Brasil brasileiro!
Mas já é madrugada desse novo amanhã.
E, definitivamente, não estamos fazendo o dever de casa.
A satisfação do apetite tem, portanto, hora para acabar.
E acabará rápido.
Nesse novo degrau, o tempo corre na velocidade da luz. E as distâncias são muito mais siderais.
Só para se ter leve noção sobre o que estamos tratando, é pertinente observar que as maiores fortunas do mundo de hoje já estão nas mãos de quem produz tecnologia.
Quando o amanhã chegar e se estabelecer em definitivo, a pujança será exclusividade dos que alcançaram o terceiro degrau – dos que produzem na lógica digital.
E nós estamos – repito – muito distantes do patamar desse novo degrau.
Quem viver verá novamente a cena, experimentando um déjà vu clássico:
A esquadra do futuro, mais uma vez, aportando no porto seguro brasileiro para praticar um escambo extremamente desigual.
Ainda dá tempo – claro – de evitar esse determinismo fatídico.
Ainda podemos evitar a repetição de nossa sina histórica.
E precisamos fazê-lo.
Do contrário, teremos que nos conformar com o papel desenhando ao longo dos séculos para os ameríndios:
Abocanhar tão somente os farelos do progresso, as quinquilharias do desenvolvimento e as bugigangas da era digital.