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O uso do Piercing: do marcador símbolo ao marcador moda

Em artigo, Mirella Braga traça um panorama histórico do piercing

Inicialmente é importante compreender que para falar do uso do piercing temos algumas precisões históricas de seu surgimento. Alguns datam seu uso enquanto ornamento nas diversas civilizações antigas em pelo menos 4.000 a.C./ 3.000 a.C., usado pelos indianos e egípcios, assim o objeto/adorno era utilizado de diferentes modos e, por isso, com diversos significados para cada grupo/sociedade.

Não há uma definição única de seu uso, ele pode servir para marcar território/povo, suas castas, o poder não apenas simbólico como também efetivo de seus pares, como na região do Oriente Médio, inicialmente na Índia, ou como fizeram os egípcios (3.000 a.C.). Os povos maias e astecas (aproximadamente 900 a.C.) usavam o piercing com finalidades religiosas nos movimentos rituais; para eles a colocação de pedras preciosas no esmalte dental era sinônimo de poder, uma grande força simbólica entre os mais nobres, destacando os grupos maias e astecas. Podemos fazer uma conexão dos ameríndios com a influência recebida dos povos indígenas originários do território que conhecemos como América do Sul e América Central. O uso dos adornos estava voltado para as cerimônias, sendo a marcação do corpo a caracterização do poder, da herança, a demonstração da ancestralidade, o pertencer. 

A historiografia oficial, baseada em fontes documentais político-administrativas, narra que o uso do piercing ao longo dos séculos caiu em desuso, vindo a ter resgate de uso no século XX com o movimento hippie¹ nos Estados Unidos. O piercing foi considerado um dos elementos marcadores do movimento hippie, os cidadãos norte-americanos de classe média, entre 17 e 25 anos, maior parte dos integrantes do movimento hippie, resolveram contestar os valores conservadores, tradicionais que produziam, dentre tantas questões, a miséria, a violência e as guerras. O adorno utilizado pelo movimento hippie serve para pensarmos que a noção de comunidade² evoca vários sentidos, que têm como base o sentimento do senso de pertencimento a uma dada coletividade que mesmo diante de comuns conflitos existentes nas relações estabelecidas entre grupos sociais, podemos perceber a diversidade de usos desse adorno que perfura a pele; a peça inserida pode ter diversos tamanhos e forma variáveis, bem como pode ser produzida com os mais diversos metais, tais como Titânio ou Teflon. A pessoa que recebe o acessório, que necessita ser inserido sob a pele, escolhe a peça a partir das variações de tamanhos e formas, a escolha dependerá da região do corpo selecionada para perfurar. 

É possível notar que o uso do piercing é ressignificado ao longo dos anos, sendo seu uso como “a tradição de um povo”, seus princípios tradicionais, sua construção de identitária, até a pensarmos hoje com os movimentos que surgem ao longo dos séculos XX e XXI na construção da interação social que visa o bem-estar das comunidades, seus códigos, o estilo de vida como marcador efetivo de um grupo. É certo que pensamos hoje no século XXI no uso do piercing contemplando um sentido mais estético, menos existencial, tornando-se mais um item de consumo no dia a dia, dos mais jovens aos mais velhos, o acessório é contemporaneamente um fator da moda, e como moda, é dinâmico seu uso.

¹ O movimento hippie foi um comportamento coletivo de contracultura dos anos 1960. Embora tendo uma relativa queda de popularidade nos anos 1970 nos Estados Unidos, a célebre máxima “paz e amor”. O uso de elementos que produziam marcas corpóreas foi uma característica desenvolvida no movimento.

² O termo Comunidade tornou-se uma palavra-chave usada para descrever unidades sociais que variam de aldeias, conjuntos habitacionais e vizinhanças até grupos étnicos, nações e organizações internacionais. No mínimo, comunidade geralmente indica um grupo de pessoas dentro de uma área geográfica limitada, que interagem dentro de instituições comuns e que possuem um senso comum de interdependência e integração (BOTTOMORE, 1996:115).

Este texto é de autoria da professora Mirella Braga, que é graduada em História e em Direito, especialista em Direitos Humanos, mestra em Ciências das Religiões e em Antropologia e doutora em Antropologia. Mirella é docente dos cursos de Direito e Serviço Social do Unipê.

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