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Tratamento com óleo de Cannabis substitui remédios anticonvulsivantes

Até onde um pai vai por amor ao filho? Em 2015, o paraibano Júlio Américo se declarou publicamente traficante internacional de extrato bruto de Cannabis. O filho dele, Pedro Américo, na época com 4 anos, tinha cerca de 40 crises de epilepsia por dia. Naquela época, o menino já tomava uma combinação de cinco medicamentos, cerca de 16 comprimidos por dia na dose máxima permitida e aquele era o melhor cenário para a criança. Inconformados, Júlio e Sheila Geriz, pais de Pedrinho, começaram a pesquisar alternativas para o tratamento de epilepsia e conheceram o óleo de Cannabis. Sem autorização na época, o fundador da Liga Canabídica da Paraíba, primeira entidade com esse fim registrada no Brasil, importava dos Estados Unidos extratos de Cannabis que chegavam ao Brasil escondidos em caixas de lápis.

“Nosso filho não controlava o tronco, nem o pescoço, não andava, não usava as mãos, não olhava nos olhos, não sentia nada. Ele não chorava, não sorria, não expressava sentimentos. Começamos a fazer a administração dos óleos de Cannabis terapêutica, e nesse período a gente foi ajustando as doses, foi estudando a Cannabis e descobrindo o que era melhor pra ele. Hoje ele conseguiu desmamar todos os remédios anticonvulsivantes.”, conta Júlio.

A infância de Pedrinho mudou. Há dois anos ele usa apenas o óleo de Cannabis em seu tratamento e já é capaz de fazer tarefas básicas. “Ele que vivia numa cadeira de rodas, hoje anda, usa as mãos, expressa sentimentos, ri, chora, toma água sozinho, Hoje o meu filho existe, ele demonstra sentimentos, abraça a gente, olha no olho”, lembra emocionado.

“Declarei que traficava o remédio”

“Eu importava o óleo de Cannabis, um extrato da planta de variedade rica em canabidiol. Eram óleos e pastas que a gente importava, mas que vinham no extrato bruto da planta. Como o canabidiol não era reclassificado na época, ainda era proscrito, a gente precisava de uma autorização especial da Anvisa e sem a autorização a gente estaria praticando crime de tráfico internacional de drogas. E era o que a gente fazia”, disse Júlio Américo, pai de Pedrinho.

“Na época era necessário um termo de responsabilidade assinado pelo médico com uma prescrição e nenhum queria fazer isso. A gente ficava inviabilizado. Como nosso filho precisava, a gente fazia escondido, clandestinamente. A gente comprava, transferia e entregava a uma pessoa amiga de algum paciente nos Estados Unidos e essa pessoa enviava pra a gente. As seringas com pastas de extrato bruto vinham empacotes de lápis. Em 2015 eu fui para a imprensa e declaramos que traficávamos e que não deixaríamos de traficar, pois era a vida do nosso filho em jogo”.

Medicamentos

Pais revelam que mesmo com os remédios, Pedro tinha 40 crises por dia, além dos efeitos colaterais. “Ele já estava desenvolvendo pancreatite, hepatite medicamentosa e disfunção renal. Era um menino super comprometido”, disse Júlio Américo.

Remédio trata também o câncer

Na família de Júlio não é apenas o Pedrinho que se beneficia do óleo de cannabis. A mãe Sheila Geriz, que hoje é a presidente da Liga Canábica da Paraíba, já passou por um câncer de mama e usa para prevenir a reincidência da doença. Além do câncer de mama, ela também trata sintomas de artrite reumatoide, uma doença inflamatória crônica que atinge as articulações.

A professora aposentada Zeza Araújo, 63 anos, conta que foram os seus filhos que descobriram o óleo de Cannabis. Ela enfrentava um avançado quadro de depressão há quase cinco anos. No ano passado aceitou aderir a uma terapia não tradicional e começou a fazer uso do óleo da cannabis, que de fruto proibido, hoje chama de milagroso. “Eu enfrentava uma depressão horrível. Ficava na cama direto. Não conseguia sequer levantar.

O meu quadro se intensificou com a separação no casamento, e em seguida com a minha aposentadoria. . Tomo dez gotas por dia há um ano e posso dizer que a depressão ficou pra trás. Estou curada”, afirma.

Convulsão

Vitória de Fátima, de 12 anos, nasceu com paralisia cerebral, uma má formação, síndrome de West e enfrentou durante toda a vida muita convulsão. “Ela passava uma hora inteira tendo convulsão. Era tanta crise. Ela passava meses na UTI dos hospitais. Depois que ela tomou o óleo, a partir daquele dia ela nunca mais se internou num hospital, a não ser para fazer uma cirurgia na gengiva. A vida dela mudou”, diz a professora Maria Edneusa Bezerra, mãe de Vitória de Fátima.

Ela conta que nunca teve preconceito, mas que quando tenta falar para as pessoas que não conheceram a realidade difícil da filha, ainda é ignorada. “Tudo começou depois que eu assisti em uma matéria alguns pais falando sobre o assunto. Fui procurar informação. Foi difícil encontrar um médico que prescrevesse, mas nós conseguimos. Eu nunca tive preconceito com nada que seja pra melhorar a vida de uma pessoa”.

Indicação para paciente com TEA

Em 2018, Levi Vasconcelos de 4 anos foi diagnosticado dentro do espectro autista. O comportamento, por muitas vezes difícil, as noites sem dormir dos pais e um alto nível de estresse motivaram Cecília Vasconcelos a ir em busca de uma terapia mais eficaz. “O desenvolvimento dele foi como toda criança ‘típica’. Depois começaram a aparecer os primeiros sinais e características de autismo. Buscamos ajuda profissional na Funad e recebemos o laudo e a nossa nova realidade. Com o passar dos meses nossa vida foi ficando complicada. Noites sem dormir, ansiedade e um nível de estresse muito alto no seio familiar, comportamento cada vez mais difícil de se compreender do nosso filho e nós não tínhamos mais qualidade nem expectativa de vida alguma. Só desânimo e frustrações.

Procuramos um neurologista que prescreveu o medicamento convencional que se usa nos casos de TEA, mas infelizmente o medicamento não supriu nossa necessidade”, relembra.

Através de mães e pais que vivenciavam a mesma realidade que Cecília achou a Abrace, Associação Brasileira Cannabis Esperança, com sede em João Pessoa. Única entidade autorizada no Brasil a realizar o cultivo e a manipulação da Cannabis sativa. “Eu corri atrás de alguma alternativa que pudesse melhorar o que estávamos passando. Li e vi pessoas que fizeram o uso do óleo de cannabis e tiveram bons resultados. Então através da A-ima (Associação Integrada de Mães de Autistas) fomos para o evento, no qual houve a comemoração de cinco anos da Abrace e lá fomos realmente abraçados. Dois meses depois fizemos a consulta com a neuropediatra especializada em autismo e com conhecimento em cannabis. E ela prescreveu o óleo que mudou nossas vidas”, avalia.

De junho do ano passado para cá, a realidade da família é completamente diferente. “Hoje temos sim uma qualidade de vida em família melhor e em especial meu filho, que apresentou melhoras no sono, agora ele consegue dormir. Com certeza o óleo à base de canabidiol melhorou muito a nossa vida em termos gerais”, assegura.

Qualidade

Mãe de paciente com Transtorno do Espectro Autista (TEA) revela que o óleo de Cannabis regulou o apetite do filho, melhorou a concentração e atenção compartilhada, diminuiu a inquietação e irritabilidade, controlou melhor a ansiedade e as estereotipias.

Doentes procuram tráfico, diz Liga

Um dos objetivos da Liga Canábica da Paraíba, fundada oficialmente em 2015, é convencer os legisladores e governos a criarem leis e políticas públicas que viabilizem a Cannabis terapêutica para as famílias em condição de vulnerabilidade. “Além da autorização especial para a importação e do acesso via Abrace existe uma terceira via, que infelizmente é a saída para a maioria dos pacientes que está em situação vulnerável economicamente, que é a via ilegal. Essas pessoas procuram cultivadores que se comprometeram com a causa e que fazem óleos com qualidade, mas com preços mais acessíveis. Como não há legislação, estamos passando por um grande problema, porque esses cultivadores estão sendo perseguidos, presos, muitos estão foragidos e isto deixa os pacientes sem o óleo”, afirma.

“Outro meio ilegal é o cultivo doméstico. No Brasil, já temos 62 habeas corpus concedidos a pessoas que tem parentes ou pacientes que necessitam de cannabis e que esperam autorização judicial para plantar em casa e produzir os seus óleos e os seus remédios. E não se tem nesses 62 habeas corpus nenhum caso de desvio de finalidade, pois o paciente que está com uma doença crônica e incapacitante não pensa nisso, ao contrario do que o governo federal diz. Esses pacientes são forçados a isso, pois não há legislação ou política pública que nos ampare. Muitos deles procuram o tráfico, compra um prensado e faz um óleo, que não tem qualidade, mas é o que muitas pessoas de periferia que são vulneráveis estão fazendo para ter acesso. É um absurdo, mas é a omissão governamental e a falta de politica pública que escute quem está na ponta”.

História

A Liga Canábica foi um movimento que surgiu em 2014 em busca de cannabis terapêutica. Os objetivos são: criar uma cultura de acolhimento e superação de preconceitos em relação aos usuários de cannabis terapêutica; informar e educar a sociedade sobre a cannabis terapêutica; fomento à difusão do conhecimento cientifico, parcerias com universidades e colaboração com institutos de pesquisa. A Liga atua junto aos poderes executivos e legislativos no sentido de criar condições para que se tenha legislação; apoio aos pacientes e o incentivo a projetos. A entidade facilita o acesso aos pacientes cria condições para no futuro se tornar possível o cultivo da cannabis terapêutica

Pedidos

Em quatro anos, os pedidos de autorização para importação de produtos à base de canabidiol aumentaram 776%. Em 2015, foram 902 pedidos. Em 2009, mais de 7 mil. Em dezembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária liberou a venda de produtos à base de cannabis nas farmácias. Em janeiro, simplificou o processo para a importação destes produtos. A fila que chegava a 75 dias, antes das modificações, agora segundo o órgão dura em média 20 dias.

*Texto de Renata Fabrício, do Jornal CORREIO

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