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Rosinha Santos treina em ritmo forte para encerrar carreira paralímpica no Rio

Rosinha Santos, 44 anos, distribui acenos, apertos de mão e cumprimentos de “bom dia” quando sai de seu apartamento, no 14º andar de um prédio no Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste do Rio. Diariamente, ela sai de casa e segue até a praça logo em frente, onde repete os movimentos que lhe renderam participações paralímpicas em três continentes e dois ouros nos Jogos de Sidney, em 2000.

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Recebem os cumprimentos da campeã o jornaleiro, a vendedora de sacolé e o jardineiro da praça, o Júlio, que pregou no chão as correntes em que a atleta prende sua cadeira para realizar arremessos de peso e lançamentos de disco e dardo.

Das luvas ao tênis, dos brincos ao peso de três quilos que ela arremessa e da capa do celular à malinha em que guarda suas medalhas mais queridas, tudo é rosa. Seu sorriso efusivo e o bom humor cotidiano deixam menos aparente a parte dolorosa de sua corrida para recuperar o condicionamento a tempo de se classificar para a Paralimpíada do Rio. Rosinha se recupera de uma tendinite no ombro, no punho e no braço direitos. “Já estou bem melhor”, comemora.

No mês que vem, com o Aberto Internacional de Atletismo, marcado para o período de 18 a 21 de maio, a pernambucana de 44 anos terá mais uma chance de atingir um índice que garanta a última participação paralímpica de sua carreira.

“Só o atleta mesmo sabe o que ele passa no dia a dia. Ainda mais atleta de alto nível. A dor faz parte da vida do atleta. Você não vai conhecer um atleta de alto rendimento sem dor”, diz Rosinha, que insistiu e não deixou a dor derrubá-la meses atrás, quando a tendinite era mais forte. “Eu já tinha dado uma segurada muito grande, e não era o momento mais. A Paralimpíada estava batendo na nossa porta.”

Com cinco treinos semanais, tratamento com ortopedista às sextas-feiras, musculação três vezes por semana e trabalhos musculares na piscina, Rosinha se considera em ritmo acelerado para compensar os problemas de saúde que enfrentou nos últimos anos. Em 2013, uma doença que ela afirma não ter entendido até hoje a obrigou a usar luvas por um mês. Ela conta que sentia as mãos muito geladas e chegou a ficar internada dois dias para investigação médica.

“Disseram que eu ia amputar as duas mãos, e isso me deixou perturbada. A minha família nem ficou sabendo disso. Minhas treinadoras choravam muito”, relembra, já recuperada. Um ano depois, a atleta passou por um susto ainda maior: a descoberta de um câncer na garganta.

Quando começou o tratamento – que durou de abril de 2014 a janeiro de 2015 e envolveu uma cirurgia e oito sessões de quimioterapia –, Rosinha temeu perder patrocínios e decidiu continuar a competir.

“O médico perguntou para mim se eu tinha condições. Eu disse que tinha e que estava pronta. Fui pra São Paulo competir fazendo quimioterapia. Fiquei em 1º lugar e quebrei o recorde brasileiro fazendo quimioterapia”, lembra.

Com o andamento das sessões de quimioterapia, a fraqueza aumentou. “Em algumas situações, não tinha como treinar nem fazer nada, porque me deixava muito fraca. Não tinha ânimo para nada. Quando tinha uma sessão que me derrubava, procurava força em Deus”, conta a atleta, que é católica e gosta de ouvir músicas religiosas em sua cadeira motorizada vermelha.

Convocação difícil

Em 2015, quando ouviu que estava curada, Rosinha renasceu e, menos de um ano depois, já estava com uma nova medalha no peito: o bronze conquistado no Parapan de Toronto, no Canadá. No pódio, ela conta que lembrou das sessões de quimioterapia. “Me passou um filme na cabeça. Lembrei de quando estava deitada fazendo quimioterapia. Eu ficava me lembrando disso e pensando: poxa, que trabalho Deus fez na minha vida”.

Rosinha considera que a convocação para o Parapan foi a mais difícil de sua carreira. Além da recuperação do câncer, ela teve que lidar com a decepção de não ser convocada de primeira e saber apenas uma semana antes que viajaria para o Canadá.

“Quando recebi a convocação, tive que fazer vários exames e fui sem treinar. Fiquei muito triste. Fui feliz e triste ao mesmo tempo, por ser convocada e estar indo sem me preparar”, diz a medalhista, que lembra de tremer de nervosismo antes da prova e preferir nem saber do resultado após o arremesso de peso. “O medo era tão grande que eu não quis saber. Todo mundo estava olhando para o placar e eu não quis olhar. Era meu quinto parapan e nunca tinha saído sem medalha”.

Um dos maiores medos que já sentiu, porém, foi quando, ao descobrir o câncer, pensou que não poderia mais ajudar sua família, no Recife. Rosinha conta que viveu para ajudar sua mãe, que morreu em 2007, e depois disso concentrou suas forças em ajudar uma das irmã. “Minha mãe era tapioqueira e o sonho dela era dar uma casa para a minha irmã. Ela não conseguiu dar essa estrutura”, lamenta.

“Muito antes de perder a perna, eu contava com minha irmã para tudo. Ela trabalhava e fazia as coisas pra minha mãe. Sou grata à minha irmã pela pessoa que ela é. Com o pouco que ela tem, ela consegue ajudar as pessoas. Fico boba.”

Ajuda familiar

Sem a irmã por perto, Rosinha conta com a ajuda de Jamerson Ferreira, seu sobrinho de 19 anos, que mora com a tia no Rio e ajuda a carregar os equipamentos de treino enquanto se prepara para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “Se, antes, minha condição de treinar era 50%, agora é 95%”, comemora, grata ao auxílio do rapaz.

Empurrões da família fazem parte da história de Rosinha, que perdeu a perna esquerda aos 18 anos ao ser atropelada por um caminhão, o que fez com que não a contratassem mais para ser empregada doméstica. Ela lembra que tentou se isolar e mal saía de casa, comunicando-se com as pessoas da rua por cima do muro. Um dia, uma de suas tias insistiu para que ela fosse para a calçada conversar com o restante da família. Em frente ao portão de casa, ela foi descoberta por seu primeiro treinador, Francisco Raimundo Matias, que freou o carro quando a viu.

“Quando fui chamada para ser atleta, nem sabia que existia esporte para deficiente. Nunca tinha visto na TV nem em nada. Achei que ele estava zombando de mim. Mal saio de casa e, quando saio, alguém vem zombar de mim?”, lembra Rosinha, admitindo que chegou a pensar que ele era louco.

“Quando ele me viu, se encantou. Ele gritou, parou o carro na rua e saiu correndo feito louco. Fiquei com medo. Ele disse: prazer, meu nome é Francisco e você é a atleta que eu estava à procura. Você vai ser recordista do mundo. Olhei e pensei: Esse cara é perturbado. Ele não bate bem, é louco.”

Francisco insistiu por três semanas, e, com a ajuda da família de Rosinha, conseguiu convencê-la a fazer um teste. “Quando cheguei na associação e olhei, não sabia que havia tanto deficiente no Brasil. Tinha uma menina lá na maca deitada. Olhei pra ela e ela sorriu. Pensei, por que fiz isso comigo? Por que me isolei?”

A carreira de Rosinha, iniciada aos 28 anos, já tem data para acabar. Ela quer se aposentar após o campeonato mundial do ano que vem, e, antes disso, competir em mais uma paralimpíada. Para aumentar suas chances de classificação, Rosinha planeja participar de uma competição internacional em que possa tentar novamente obter índices. “Estou escolhendo a mais barata”, ri a atleta.

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