R?ssia, Marseille ou Para?ba

O melhor namorado da areia é o mar. A gente vai lá, se deita, pisa, corre, joga bola, cospe, briga, escuta música com “headphone”, toma cerveja e sol, faz tudo o que é de possível ou aparente direito, e a areia não sente nada disso. Vale somente o mar, que a acaricia dia e noite, durante todos os décimos de segundos, às vezes com calma, outras exercitando a violência explícita da natureza. Os peixes não têm ciúme; nem as aves.

Eram reflexões de noite do último “dia útil” da semana. As aspas são porque nunca provaram existir dias inúteis. Ao longe, horizonte marítimo, duas luzes piscando quase morrendo. Navios, não. Barcos modestos, com certeza, em pescarias normais. Desejei conversar com botos. Há anos não os vejo. Na ausência deles, veio o inesperado.

Os cabelos como a cauda de um cavalo, muito negros, assim como sobrancelhas e olhos bem definidos, blusa branca, short classicamente jeans, pois surrado, pés descalços, entre 16 e 18 anos de idade, ela sentou, junto a mim, na calçada. Não pediu licença, apesar de minha cara de idade de ser seu pai e de quem quer ficar sozinho, continuando a olhar a escuridão distante e pensando em fazer uma música com o vampiro Lestat. Um “blues”, talvez. Mas, licença numa noite tão atípica e com pouca gente ao redor, a não ser ciclistas velozes e pequenos grupos de pessoas fazendo “cooper” noturno?

Ela olhou matreiramente para lugar nenhum e disse: “Não gosto de andar com gente da minha idade. São todos como se estivessem em ‘Malhação’. Tem nada a ver. Só gosto de gente mais velha. Você vem sempre aqui?”. “Às vezes”. Eu não quis alongar a conversa. “Eu moro bem perto. Três esquinas. Se a gente voltar a se ver, tudo bem?”. “Tudo bem”.

Fiquei olhando o horizonte noturno do Atlântico. Entendi que quando Nabokov escreveu “Lolita” não foi por mera ficção. Os escritores e seus personagens são todos iguais. Na Rússia, Marseille ou na Paraíba, tanto faz.