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Abandono da austeridade

Sou um economista pragmático – creio que tempo de crise é, também, tempo de arrochar o cinto. E isto inclui a receita ministrada no Brasil: aumento de impostos, cortes de benefícios, ajustes das tarifas dos serviços – todo esse pacote indigesto que o Governo desembrulha neste início de 2015.

Essas breves seis décadas de vida me ensinaram, porém, que a diferença entre o remédio e o veneno está na dosagem em que é administrado.

O novo governo grego também acredita nisso e resolveu empreender, por sua conta e risco, um tratamento ousado para ressuscitar sua moribunda economia – um organismo bombardeado por anos de irresponsabilidade fiscal, de pires na mão e olhares agachados em relação aos seus parceiros da zona do Euro.

Meu pragmatismo indica que a forma brasileira de enfrentar a crise é mais efetiva do que a quimera de efervescência plantada pelos novos governantes gregos.

Estamos fazendo o dever de casa que o ano eleitoral adiou. E danosamente maquiou. Um sistema elétrico quebrado e aquém da demanda do País é um exemplo, muito ilustrativo, de que não se pode apelar para o ilusionismo quando não se tem coelho dentro da cartola.

Estamos, repito, aplicando no Brasil a receita tantas vezes prescrita – ainda que intragável de tão amarga – para controlar economias fragilizadas. E não adianta atirar pedras quando já sabíamos que estávamos vivendo uma fantasia. E 2015 inevitavelmente chegaria, nos acordando para a dura realidade.

A Grécia, ao contrário, caminha para desfazer tudo o que fez.

E esta desconstrução tem nome e sobrenome: Alexis Tsipras, líder radical de esquerda, vencedor das eleições no País.

Do palanque, Tsipras prometeu acabar com a austeridade que cortou benefícios sociais, desempregou um em cada quatro gregos dispostos a trabalhar e promoveu aperto fiscal no País.

Em seus primeiros dias de gestão, o novo premier sinaliza que não estava blefando: anunciou um aumento de 30% no salário mínimo, estancou o processo de dispensa dos servidores públicos e suspendeu as privatizações – principal fonte de pagamentos dos credores externos – enquanto empreende maratona de visitas a quem deve para avisar que a quitação dos débitos não será feita as custas do couro do povo grego.

Em grego fluente Tsipras diz: vocês podem ter o sangue, mas não a medula óssea.

Quem poderá condená-los?

Em cinco anos de austeridade para ter direito a ajuda da comunidade europeia (algo em torno de 250 bilhões de euros, o maior socorro internacional da história a um pais em crise), a dívida pública grega só cresceu – passou dos 130% do PIB, registrados em 2008, para atuais 180% – e o povo mergulhou em um clima de desesperança que só cinto apertado e horizonte sem previsões alvissareiras podem produzir.

Tsipras entendeu isso. E foi aclamado por uma nação disposta a jogar tudo para o alto, ciente de que não tem muito mais a perder.

Não sem razão, resolveram parar de enfiar goela adentro o remédio ministrado pelas instituições financeiras internacionais – mais interessadas em sua própria sobrevivência do que na saúde de seu paciente – e forjaram nas urnas seus próprios métodos de tratamento.

Os credores, claro, estão de cabelos em pé. Prometem fazer jogo duro para embalsamar, antes que seja tarde, este ensaio de Hugo Chaves grego.

Só o tempo – sempre ele – poderá nos responder quem sairá vivo e vitaminado desta pendenga.

O fato é que os gregos estão iniciando, na história moderna, uma nova epopeia.

Será que terminará na obviedade da tragédia?

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