Uma imagem percorreu a Paraíba em fevereiro: munidos com uma baiteira e um par de remos, dois policiais militares (veja abaixo) montam guarda no açude de São Gonçalo, em Sousa. A missão que receberam é digna de super-herói: vigiar e impedir furto de água do volume morto do açude – algo em torno de 3,9 milhões de metros cúbicos, sobras de uma estrutura construída para armazenar 44,6 milhões de m3.
Escrutinando a imagem, a associação é imediata: a frota portuguesa deve ter encontrado embarcações mais modernas com os nativos ameríndios.
Porém, mais de 500 anos depois a tecnologia ainda não aportou nos sertões nordestinos. Aqui a baiteira resiste a invasão dos drones, que já monitoram grandes áreas carentes de fiscalização pelo mundo afora.
E a ausência da tecnologia faz toda a diferença nesta trama que seria risível se não fosse tão trágica para milhões de sertanejos sedentos.
Pois é pela falta de investimentos tecnológicos, aliados obviamente aos ciclos ininterruptos de seca, que o São Gonçalo atingiu seu volume morto.
É por falta de técnicas ordinárias na rotina agrícola do século XXI que o açude virou peça judicial – com direito a expedição de liminar pela Justiça Federal, suspendendo as 56 outorgas do direito de uso da água.
E é por todo esse descaso e falta de visão que o São Gonçalo protagoniza, de forma muito ilustrativa, o atraso tecnológico que impera no manejo dos recursos hídricos paraibanos enquanto seguem repousando, nas gavetas de Brasília, projetos que poderiam dotar a Várzea de Sousa com o que há de mais avançado em técnicas de irrigação.
Enquanto a moderna agricultura utiliza técnicas precisas e econômicas – entregando às culturas a quantidade certa na hora certa e reduzindo as perdas a míseros 4 por cento -, boa parte do que se planta e se colhe no Estado é irrigada por inundação. Neste sistema, as perdas podem ultrapassar mais de 40 por cento.
O São Gonçalo é vítima disso. Os agricultores que se instalaram em seu entorno também.
Estoques biológicos seculares estão ameaçados. Culturas inteiras foram dizimadas – entre elas 2.800 hectares do coco de Sousa, considerado a melhor espécie do País.
Só 100 hectares ainda resistem, extraindo água subterrânea por meio de poços e cacimbas.
O volume morto do São Gonçalo assiste a várzea morrer.
Portanto, este não é – definitivamente – um enredo cômico.
É trágico; é vergonhoso.
E em uma dimensão muito maior do que sugere a foto do “destacamento”, e de sua “frota”, convocados para defender o São Gonçalo das captações irregulares.