Sou, por essência, um observador da natureza.
Começo bem o meu dia postado numa janela, contemplando a chegada dos primeiros raios do sol.
E por mais cosmopolita que tenha me tornado, nunca haverei de preferir a selva de pedra.
Até porque é lá, no ambiente natural, que estão as respostas mais efetivas para nossas incógnitas do presente e as dúvidas que rondam nosso futuro.
E quem pensa o contrário está, na verdade, se deixando levar pela soberba de animal dominador.
Ignorando uma realidade nada relativa que repito e insisto:
É na natureza onde estão estocados os conhecimentos de quem somos, de onde viemos e para onde podemos ir.
Nossas complexidades e dificuldades no meio do asfalto e do concreto são meros dilemas existenciais – apêndices do drama original e essencial da vida nesta casa que chamamos de Terra.
Digo mais: muito dos nossos comportamentos (supostamente superiores às espécies com quem dividimos mesquinhamente o planeta) não são – absolutamente – exclusividade da raça humana.
Aguente se puder, mas é preciso ser dito que na maior parte do tempo estamos tão somente repetindo – reproduzindo mesmo – procedimentos milenares de seres que rastejam no mais baixo patamar da cadeia alimentar.
Um deles é a sedução.
O outro é a dissimulação.
Ilustro:
O efeito que você busca com seu mais cristalino sorriso, por exemplo, é exatamente o que motivou a árvore a produzir a flor: encantar, atrair, conquistar.
Há alguns milhares de anos, o conflito estava posto às árvores: como se reproduzir se você precisa da troca de polens e está enraizado? Com beleza!
Daí vieram as flores com suas cores, cheiros, sabores. O resto é com o beija-flor e seus “rivais”, eternamente condenados a esta sedução que viabiliza a polinização.
Assim como acontece aqui, a natureza também é pródiga em seduzir com segundas e inconfessáveis intenções.
Coloridas, úmidas, convidativas como um abraço confortável, as plantas carnívoras sabem – como poucos – atuar de forma malevolamente sedutora. E potencialmente destruidora.
Elas atraem e tragam, como aquele político que lhe convenceu – e o levou a decepção – com olhar confiável, aperto de mão firme e caráter dissimuladamente frouxo.
A dissimulação, que julgamos ser característica refinada do bicho homem, também é comportamento milenar e corriqueiro na natureza.
Nativa da floresta amazônica, a tartaruga Mata-Mata, por exemplo, tem casco e cabeça com morfologia muito similar a uma folha. E é capaz de passar horas prendendo a respiração sob a água para capturar suas presas.
A Anaconda, que também divide o ambiente amazônico com a tartaruga, tem comportamento parecido: enroscadas em plantas aquáticas, parecem a continuidade de seus galhos enquanto esperam – por semanas a fio – seu desavisado desjejum.
Seriam Anacondas e Mata-matas sociopatas? Cujos comportamentos tantos de nós – refinados, complexos, superiores animais humanos – mimetizamos nas esquinas da vida?
Posso estar aqui cometendo uma “heresia”, um atentado contra as doutrinas da psicanálise.
Mas a dinâmica da natureza – com admiráveis semelhanças e extraordinárias diferenças – nos aproximam irremediavelmente quando traçamos as mesmas estratégicas de sobrevivência nas nossas selvas tão distintas.
No final das contas, estamos todos – de repteis a humanos – cumprindo a mesma ordem imperativa:
Existir. E o máximo de tempo que conseguirmos.
Mesmo que isto signifique camuflar e dissimular; atrair e engolir a presa mais próxima.