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Nudez e urina: alunos relatam o que acontece nos jogos de medicina

Situações vieram à tona após vídeos em que alunos da Unisa praticam ato de 'masturbação coletiva' viralizarem nas redes sociais
Dejetos pulverizados e nudez ocorrem em jogos de medicina (Foto: Reprodução / Montagem/R7)

Após vídeos de estudantes de medicina participando de uma “masturbação coletiva” viralizarem nas redes sociais, alunos do curso disseram ao R7, parceiro nacional do Portal Correio, que nos jogos universitários, casos de obscenidade são mais do que comuns: fazem parte da tradição das faculdades de medicina de renome de São Paulo.

Para muito além dos órgãos genitais à mostra, situações que envolvem urina, fezes e outras modalidades de violência também são frequentes na rotina de quem participa dessas competições.

R7 conversou com três alunos de medicina de diferentes faculdades do estado, que relataram, em condição de anonimato, as situações que já vivenciaram dentro do curso. Os nomes a seguir são fictícios, a fim de preservar a identidade das fontes.

Luísa, estudante de medicina da Universidade de Mogi das Cruzes, afirma que casos como o dos alunos da Unisa (Universidade Santo Amaro) são extremos. No entanto, colocar o pênis ou os testículos para fora e gritar frases obscenas acontecem sempre durante as competições.

aluna explica que expôr as genitálias é uma maneira de “xingar, mas fisicamente” as faculdades adversárias.

“Acho nojento. Não pedi para ver. É um ato de assédio moral e sexual. É bizarro pensar que se banalizou”, afirmou a estudante, que está no segundo semestre da faculdade e tem o costume de frequentar as competições.

Clara, que cursa o oitavo semestre da Faculdade de Medicina de Jundiaí, já foi a quatro jogos e diz que é regra ver órgãos genitais. “Com mais ou menos proporção, o pessoal da torcida vizinha sobe nas grades, abaixa as calças e se vira pra gente”.

A jovem também conta que esse ato é majoritariamente masculino e que nunca viu nenhuma mulher fazendo ou participando desses momentos. “Foram sempre homens, e eu, como mulher, me sinto completamente desrespeitada”.

Urina e fezes

Os entrevistados dizem ainda que excrementos são frequentemente usados como forma de ataque entre as torcidas. A reportagem teve acesso a relatos de calouros sendo obrigados a beber urina de veteranos e, até mesmo, homens defecando em sacos e jogando contra atletas adversários durante os jogos.

Outros registros revelam que estudantes de medicina de uma faculdade do interior de São Paulo misturaram urina e fezes dentro de um pulverizador agrícola e jogaram a mistura sobre atletas e torcedores presentes no ginásio esportivo.

Para Guilherme, estudante de medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, cada faculdade possui seu próprio “ritual”, e um pode ser pior que o outro.

“É uma coisa louca dos meninos irem ao banheiro e encherem garrafas com xixi e cocô para fazer uma mistura e jogar nos outros”, afirma Clara.

‘É sempre nos jogos femininos’

O ato obsceno de masturbação coletiva que viralizou nas redes sociais, inclusive, ocorreu durante um jogo feminino de vôlei válido pela Copa Calomed 2023, que foi sediada em São Carlos, no interior de São Paulo. O torneio aconteceu entre os dias 28 de abril e 1º de maio.

Nas imagens, é possível ver vários homens correndo por uma quadra poliesportiva com as calças abaixadas e os órgãos genitais nas mãos, fazendo uma espécie de “volta olímpica”. Em outro vídeo, alunos da Unisa aparecem na arquibancada de uma quadra masturbando-se em conjunto em uma partida contra a Universidade São Camilo.

A aluna de medicina de Jundiaí afirma que percebe que há um padrão dentro dos jogos femininos universitários. Situações de nudez, principalmente, quase sempre são incentivadas a ocorrer quando as mulheres estão em quadra.

“Percebo que sempre é em jogos femininos. Ao mesmo tempo que é uma ofensa a mim, é uma ofensa ao meu jogo. Em todas as partidas de homens sempre têm respeito e pessoas assistindo aos jogos, mas nos femininos não”.

Os hinos cantados para comemorar as vitórias, segundo a estudante, também costumam fazer apologia ao estupro. Ela conta que, na faculdade de medicina de Jundiaí, onde estuda, houve um movimento para a mudança dessas canções. Mas ex-alunos que ainda possuem algum envolvimento com a atlética da instituição mantêm certa resistência em nome da “tradição”.

Para além dos atos obscenos em torneios, os trotes costumam ter cunho sexista. Luísa conta que aceitou se passar por “garçonete”, buscando bebidas sempre que alguém pedia, e também já equilibrou copos de drinques na cabeça para se ajoelhar diante dos veteranos. De acordo com ela, todas essas situações são muito comuns e consideradas até “leves”.

Tradição e cultura

Os três estudantes que deram seus relatos ao R7 afirmam que todos esses atos são tradição dentro das faculdades de medicina e, por isso, são levados a sério e normalizados pelos alunos.

“Sei que para as pessoas de fora, e até mesmo para quem é da medicina e não está acostumado, pode parecer chocante, mas no ambiente da Intermed essas coisas não são tão absurdas como podem parecer”, afirma Guilherme.

Para ele, o grande “problema” do episódio da “masturbação coletiva” foi que o vídeo viralizou nas redes sociais, e as pessoas de fora do curso de medicina não “entendem” o contexto da situação.

“Durante minha graduação inteira, eu entendi o contexto desses rituais, e se isso virou notícia, foi somente porque chegou às mãos de pessoas que não o entendem. Tenho certeza, ainda mais depois dessa notícia da Unisa, que cada vez mais esses atos serão mais controlados e limitados a espaços em que a mídia não chega”, afirma o estudante.

Clara discorda e afirma que a repercussão desse tipo de situação demorou a acontecer. “Nunca foi certo, mas hoje em dia a gente consegue falar mais sobre isso. Tradição tem que ser uma coisa boa e que agrega, e isso [‘masturbação coletiva’] é apenas desrespeitoso”.

Em relação a punições por parte das atléticas, os entrevistados são unânimes ao afirmar que não há represália. Mas, quando ocorre, costuma ser por conta de alguma repercussão nas redes sociais e na mídia.

As atléticas dos cursos são as que mais apoiam esses atos, de acordo com o estudante da Santa Casa, porque os próprios atletas são os que mais participam.

Em nota, a AAAMA (Associação Atlética Acadêmica Manoel de Abreu), atlética da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, informou que não compactua com nenhum tipo de violência, humilhação, trote ou situações de abuso. A entidade nega as acusações e afirma que essas práticas não são comuns na faculdade e, muito menos, estimuladas.

A reportagem entrou em contato com a AEVGMM (Associação Atlética Acadêmica Antônio Prudente), atlética da Universidade Mogi das Cruzes, mas, até a publicação desta matéria, não obteve retorno.

Após a viralização dos vídeos, a atlética do curso de medicina da Unisa se posicionou nas redes sociais sobre o caso e afirmou que as imagens “não são contemporâneas e não representam os princípios e valores” pregados pela instituição. A atlética também diz que não tolera nem compactua com nenhum ato de abuso ou discriminatório.

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