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Pilar, que já abrigou Dom Pedro, completa 260 anos

Um grupo um tanto numeroso de paraibanos fala aos ouvidos e sentidos do mundo em mais de dez idiomas. Eles respondem, em meio a outros, por Carlinhos, Zé Paulino, Mestre Amaro, Capitão Vitorino, Seu Lula, Sinhá, Maria e Naninha. Cada um, a seu modo, conta muito dos dramas e das dores do Nordeste açucareiro.

E assim o fazem por meio do gênio literário nascido e criado na beirada do Paraíba, exatamente no ponto onde o rio começa a se alargar para a invasão de terras agora mais planas e próximas do Litoral.

O lugar é Pilar e, o interlocutor em questão, José Lins do Rego. Curiosamente, setembro é o mês que demarca o nascimento de um e a morte do outro. Pilar ganhou a condição de vila em 14 de setembro de 1758 por carta régia com a assinatura de D. Maria I. No dia 12 do mesmo mês, ano de 1957, José Lins dava seu último suspiro, no Rio de Janeiro.

Inscrito na galeria de honra da literatura nacional, o homem, nascido em 3 de junho de 1901, mal passou pelo 56º aniversário. Neste dia 14, sua terra festeja os 260 anos de fundação. A celebração inclui desfiles estudantis, foguetório e, ao menos, um lançamento literário: o do livro “Os Pilares do Brasil”, coletânea de crônicas e poemas escritos por autores locais e de cidades homônimas. É o caso do Pilar de Alagoas, Pilar de Goiás, Pilar do Sul (SP), Morro de Pilar (MG) e Coronel Pilar (RS).

No caso da Pilar paraibana, pode-se afirmar, passada a fase de ouro do ciclo da cana de açúcar, que tem no turismo (pouco explorado) a mais sentida de suas vocações. Afinal, suas paisagens e suas histórias estão à disposição de leitores, nos cinco continentes. Pode-se ler José Lins em inglês, francês, alemão, italiano, espanhol, árabe, japonês e por aí vai…

O Engenho Corredor, onde nasceu, está disposto à visitação pública, graças ao tirocínio e ao bom senso dos atuais proprietários que se articularam, tempo atrás, com o poder público (via Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado, o Iphaep) para a necessária e urgente restauração, antes que tudo desabasse.

A Casa Grande está salva. O mesmo não se pode dizer, infelizmente, da moita de engenho consumida pelo tempo e por um ou outro capricho da natureza, a exemplo da enchente que derrubou, décadas atrás, o legendário bueiro do Corredor, o “Santa Rosa” da ficção de um dos mais aclamados romancistas brasileiros.

José Lins falava do Paraíba como se fosse gente. Ainda menino, ouvira o avô dizer que preferia perder com chuva a perder com seca. É que as cheias desse rio, depois do estrago e antes das barragens que hoje contêm seus fluxos – costumavam depositar nas terras do engenho o adubo para os próximos plantios. As estiagens, porém, matavam sem dó e sem nada em troca.

Mas, há casos nos quais o inverno pode acarretar perdas irremediáveis. Que o digam a fornalha, a moenda, os tachos de mel e o bueiro do Corredor existentes apenas, agora, em velhas e poucas fotografias.

Origem

A Pilar que hoje se oferece ao abraço de todos os seus filhos teve o povoamento iniciado no final do Século 17, conforme documentam historiadores sucessivos. Fazendas de gado prosperavam, ali, em 1630, quando os holandeses, advindos de Pernambuco, aprofundavam a invasão.

Quarenta anos depois, na companhia de índios Cariris, um grupo de jesuítas capitaneado por Frei Francisco de Modena (Itália) fundava o colégio em torno do qual o povoado se formaria. Pilar, que então concentrava levas de garimpeiros, pouco a pouco se transformaria em centro de produção canavieira.

Foi nesta condição que Dom Pedro II a visitou à véspera do Natal de 1859. Descera do vapor “Apa”, no Porto do Capim, em João Pessoa, e cobriu o percurso em lombo de cavalo, com dona Teresa Cristina, a Imperatriz, em carruagem, tomando poeira.

 Também restaurada, a Casa de Câmara e Cadeia de Pilar demarca o lugar onde ele ofereceu beija-mão à sociedade paraibana. Mais apegado ao romance do que aos fatos, José Lins narra que um parente seu, então encarregado da recepção, pegou cadeia por haver disso se descuidado, a ponto de o Imperador ter que dormir numa rede de pedreiro. No livro “Visita de Dom Pedro II à Paraíba”, o historiador Maurílio de Almeida conta outra história.

À mesa do Corredor, o menino José Lins também ouviu que Dom Pedro puxara conversa com o Barão de Maraú (o título não condizia com o padrão cultural), em cuja casa almoçaria. O tema era a possibilidade de chuva. “A atmosfera está carregada”, comentava Dom Pedro a poucos passos de um pé de fruta-pão em sua melhor carga. Resposta do anfitrião: “Vossa Majestade não viu nada. Carregada estava no ano passado. Era cada atmosferão desse tamanho”.

Vocação

O sociólogo Odilon Ribeiro Coutinho costumava citar o Baixo Vale do Rio Paraíba como “área de profunda evocação lírica e histórica”. Referia-se não apenas às capelas erigidas logo depois da expulsão dos holandeses, mas, igualmente, aos engenhos de cana de açúcar. Aquilo que configura o Mundo de José Lins do Rego.

Sonhava Odilon com um corredor de turismo cultural com saída de João Pessoa, passagem por Cruz do Espírito Santo e término em Pilar. Sonho em vão, dada a pouca disposição dos sucessivos governos para investimentos sérios e corretos num projeto dessa ordem.

Enquanto isso, o Mundo de José Lins assiste à perda gradativa de seu casario e seus engenhos de açúcar, no mais das vezes apenas existentes nas paredes pobres e descuidadas das casas grandes, à exceção do Corredor. Perdem-se, também, até então sem remédio, expressões das artes, dos costumes e do folclore regionais.

Antigo núcleo de produção de louças, a Rua da Lagoa, em Pilar, é um exemplo gritante desse descuido. Morreu ali, há muito tempo, a tradição das louceiras passada das mães às filhas. Os mais pobres, sobretudo estes, ficam, portanto, sem fonte digna de subsistência enquanto cidades outras, a exemplo de Pilar, perdem, em conjunto, aniversário após aniversário, as oportunidades de emprego e renda oferecidas pelo turismo, a vocação mais percebida, embora desprezada.

*Por: Frutuoso Chaves (Especial para o CORREIO)

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