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Poesia popular é mais que ‘Bráulios Bessa da vida’, diz professor Trindade

Inácio da Catingueira, cujo nome já diz de onde é, foi um dos maiores poetas populares do Brasil; não é à toa que há um verbete com ele na famosa enciclopédia Delta Larousse: um feito para um negro escravo (numa época de profundo racismo) nascido numa pequena cidade sertaneja do Vale do Piancó.

Inácio era o que se chama de cantador, mas não de viola; declamava os versos, de improviso, acompanhados pelo som do pandeiro. Seu grande rival nas “pelejas” foi, sem dúvida, o famoso “Romano do Teixeira”, de família de poetas e proprietário de terra. Romano costumava, nas pelejas, humilhar Inácio, devido à cor deste e à condição de escravo. É famosa uma cantoria acontecida em Patos (PB), em 1870, em que apesar de Romano haver sido considerado “vencedor”, foi Inácio que se notabilizou com ela, chegando ao nome internacional, pela ironia, agudeza e perfeição dos versos. Transcrevo a passagem que, para mim, é a melhor, devido à genial reposta dada por Inácio à tentativa de humilhação que Romano queria impor ao Catingueirense:

ROMANO:

“A desgraça do home rico
É dar importância a pobre.
Sendo eu a prata fina
Vim me misturar com cobre.
Grande castigo merece
Quem se abate sendo nobre.”

INÁCIO:

“Essa agora é engraçada,
Eu digo com toda fé:
De prata se faz arreio,
Faz faca, garfo e cuié,
De prata se faz espora
Pra negro botar no pé.”

Genial a resposta do negro, não? Botou, sem dúvida, Romano “no bolso”.

Depois dessa, o teixeirense perdeu as estribeiras e passou a ser desleal com nosso conterrâneo de Vale.

É rica a poesia popular nordestina e pode se manifestar por vários meios: cantorias (com poetas de bancada ou cantadores de viola); cordelistas, ou poetas que simplesmente que escrevem e recitam (em geral, de improviso), com ou sem instrumento.

Este último é o caso de um ótimo poeta que conheci recentemente, cujo pai é de Teixeira, mas a veia poética, segundo o filho, veio dos parentes de São José do Egito, conhecida, também, como terra de poetas. E além de mais tem nome de poeta: Katullo.

É óbvio que é inevitável lembrar, nessa hora o nome de outro poeta: Catulo da Paixão Cearense; que, aliás, era maranhense: uma das maiores glórias da nossa poesia popular.

Só que o poeta campinense Katullo Nunes tem, como viram, o nome grafado com k e dois ll e escreve belos versos, como os que passo a transcrever:

“Luxo perecível

Katullo Nunes

Se a riqueza impedisse a tal da morte

Se houvesse elevador até o céu

Se o poder evitasse o mausoléu

Se os bens me servissem de suporte

E faria economia e todo corte

Mataria e morreria por dinheiro

Mas o nosso destino é um madeiro

Esquecido, sem vigia e sem limpeza

Viva mais, terceirize a avareza

Já que o luxo dessa vida é passageiro.”

Valorizemos a poesia popular; que não se resume aos Bráulios Bessa da vida.

João Trindade

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