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Viajantes do tempo

Certa vez o meu
pai estava me  ditando  o seu artigo para o jornal O Norte, onde
escrevia diariamente. O assunto escolhido era 
a Festa das Neves, em que ele relembrava 
os velhos  tempos em que o evento
era o maior acontecimento da cidade. A elite se encontrava e bebia scotch nos
seus pavilhões engalanados enquanto que as pessoas de baixa renda se
concentravam na  chamada Bagaceira, uma
área popular onde se consumia, sem cerimônia, 
a cachaça e o conhaque  nos
tamboretes no meio da rua.

O “velho”
Abelardo ia discorrendo as suas memórias com palavras  de exaltação aos seus amigos contemporâneos
daquela época inesquecível de sua juventude. 
Comentava a elegância de Silvio Porto, a eloquência de Celso Novais, o
terno impecável de Higino Brito, a presença sempre festejada dos políticos
influentes como Pedro Gondim, Ruy Carneiro e tantos outros nomes de projeção na
sociedade paraibana dos anos 50 e 60. E eu ali, entusiasmado com o relato,
aprendendo com ele o oficio de escrever que ele fazia com extraordinária habilidade
e competência.

Quando o artigo
já estava praticamente no final das 30 linhas exigidas pelo editor, ele toma
uma decisão: – “Vamos mudar o tema, não quero mais falar sobre isso”.

– Mas porque meu
pai? O texto está muito bom só falta  a
conclusão, insisti. – Não meu filho. Constatei que todos esses amigos que me
referi estão mortos. Isso me causa tristeza, angústia e uma imensa saudade.
Vamos falar de outra coisa.

Essa história me
vem à mente sempre que perco um amigo da minha geração, alguém que tenha feito
parte da minha vida, enfrentado as mesmas dificuldades, ouvido as mesmas
musicas, assistido aos mesmos filmes e compartilhado as mesmas emoções. Isso
provoca um “parentesco” inalienável já que somos testemunhas oculares de um mesmo
mundo.

Foi o que senti
agora com a morte de Mário Fiúza Chaves, um medico respeitado, um sujeito simples,
discreto e bem humorado que frequentava a minha coluna, que tratava a todos com
respeito e carinho. Repartimos muitos momentos em recepções em casa de amigos,
ou em  eventos  diversos onde íamos a trabalho ou socialmente
. Algumas vezes viajamos juntos e nos hospedamos no mesmo hotel, estreitando esses
laços de convivência.

Mário Fiúza,
como eu, nasceu em 1952. Vai-se mais um viajante do meu tempo.

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