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Cine Capitólio: parte da rica história de CG em ruínas

“Meu pai me levou muito no Capitólio. Eu tenho uma lembrança clara de quando a gente foi assistir a Platoo lá. Eu me lembro do programa de rádio de Rômulo Azevedo, que toda semana ele deixava perguntas e quem acertasse, ganhava ingressos que podiam ser usados no Capitólio e no Cine Babilônia. A gente ia lá na rádio deixar a carta com a resposta e tal, era muito bom”. O relato saudoso é do ator e cantor Pablo Giorgio sobre lembranças do antigo Cine Theatro Capitólio, de Campina Grande. Hoje, abandonado, o antigo cinema segue em ruínas e sob decisões da prefeitura, Justiça ou do Governo do Estado.

Segundo Pablo, as memórias que ele tem do local são fantásticas, mas é somente o que resta, uma vez que o cinema foi desativado em 1999 e veio, desde então, se tornando um divisor de opiniões sobre o estado atual e as possibilidades de voltar a funcionar. O prédio está abandonado e ainda sofre risco de desabamento no Centro de Campina.

Cinema, atualmente, está abandonado (foto: Chico Martins/ Jornal CORREIO)

Iphaep rejeita projeto da prefeitura

O Cine Capitólio fica localizado na Rua Irineu Joffily, no Centro de Campina Grande. Ele é cadastrado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba desde 1978, sendo tombado como patrimônio histórico no ano 2000. Em 2015, a Prefeitura Municipal de Campina Grande (PMCG) enviou um projeto de recuperação do bem público para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (Iphaep), que não chegou a ser indeferido.

Ao Portal Correio, a diretora executiva do Iphaep, Cassandra Figueiredo, falou que o projeto, na verdade, se trata de um anteprojeto, que foi encaminhado três vezes para o instituto, sendo que foi indeferido pelo conselho e equipe técnica, uma vez que ele faria uma descaracterização de um bem tombado, de forma que não estaria obedecendo à lei.

“O Cine Capitólio foi tombado, mas tem valor sentimental, então não dá pra descaracterizar a história dele. Nós enviamos outra sugestão, colocamos à disposição da Prefeitura de Campina Grande pra que com eles façam outra elaboração e que outra saída seja pensada, mas até agora não tivemos retorno da PMCG e ficou assim”, afirmou.

PMCG manterá projeto

Em 28 de maio deste ano, a Justiça autorizou que a Prefeitura de Campina Grande pode executar o projeto de revitalização do Cine Capitólio. A decisão foi da 3ª Vara da Fazenda Pública, considerando de forma improcedente as abordagens do Iphaep para com a realização do projeto de revitalização pela PMCG.

Conforme o atual secretário de Planejamento, Gestão e Transparência de Campina Grande,  Diogo Lyra, com a decisão do juiz Ruy Jander Teixeira, a prefeitura da cidade irá manter o anteprojeto de revitalização de forma a realizar uma Parceria Pública Privada (PPP) para a transformação do local.

“Inclusive o juiz atestou a regularidade do projeto que encaminhamos e isso reforça a nossa posição de que o projeto que foi encaminhado atende os ditames legais e reforça também os nossos estudos arquitetônicos sobre a adequação das técnicas que foram utilizadas para o projeto de requalificação, tanto para a funcionalidade do prédio como para manutenção de seu aspecto memorial. É isso que é objeto de tombamento que é a memoria do prédio e não sua estrutura física,” disse o secretário.

Segundo Diogo, não há um custo específico de manutenção no local atualmente. Os seguranças que compõem o quadro da Secretaria de Serviços Urbanos de Campina Grande (Sesuma) ajudam na manutenção do prédio, como também há a supervisão da Defesa Civil, que fica responsável pela manutenção da segurança da área. “Os nossos custos são indiretos. Não há um desembolso direto de valores para manutenção daquela área,” afirmou.

Ainda conforme o secretário, o projeto de qualificação que foi apresentado inicialmente tinha uma estimativa de gastos de R$ 5 milhões de investimento e que na época tinha pelo menos três empresas interessadas em firmar parceira com a PMCG e assumir a gestão do Capitólio. “Eles fariam a requalificação não somente do prédio, mas de todo o entorno ali da Praça Clementino Procópio e ficariam com o direito de explorar aquela área durante um determinado lapso temporal,” concluiu.

Projeto de revitalização

O anteprojeto da PMCG para a área conta com duas salas de cinema, biblioteca, espaços gastronômicos, cafés e boxes para outros tipos de comércio, com a pretensão de oferecer à cidade, principalmente aos alunos da rede pública de ensino, um espaço cultural e cinema gratuito todas as segundas-feiras.

A meta do projeto é, segundo a prefeitura, conservar toda a fachada original do Cine Capitólio, preservando as características e diretrizes arquitetônicas da data da sua desapropriação. O uso interno do antigo cinema deve seguir programa temático de necessidade com uma distribuição espacial que contemple modelo arquitetônico de multiuso, voltado para lazer e cultura, com salas de cinema, livraria, café, espaço para exposição de arte e salas comerciais.

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Ilustração do Cine Capitólio em projeto de revitalização pela PMCG (Foto: Divulgação/Codecom-CG)

Estudantes contra o projeto

No dia 29 de maio deste ano, um dia após a sentença judicial sair em defesa do projeto, houve um ato contra a revitalização do Capitólio, na Praça Clementino Procópio, com base no projeto atual da prefeitura. A manifestação foi de alunos do Centro Acadêmico de Arquitetura da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), representantes do Programa Educação em Ciências (Cieduc) e do Laboratório de Rua (Labrua) do município.

“A gente está aqui em defesa do Capitólio, preocupados com a memória de Campina Grande. O capitólio não é apenas um ser físico, mas a memorização dele exige também as memórias do povo de Campina. Exige memória da vivência. Se você parar qualquer pessoa que frequentou o capitólio ela vai lhe recordar lembranças e memórias e isso não deve ser apagado, tanto pela questão que nos preocupa tanto o capitólio é o patrimônio, história e identidade de Campina Grande e não pode ser apagado dessa forma,” disse a participante do ato, Vitória Gondie, de 21 anos.

Vitória Gondie (Foto: Chico Martins/ Jornal Correio)

Campina Grande e o cinema de rua

O ator e cantor Pablo Giorgio relembrou outros momentos que passou no Capitólio, além daqueles citados no começo desta reportagem. “Meu pai sempre gostou muito de cinema e a gente quase sempre acertava as respostas [do programa de rádio], então era aquela coisa, a gente ia pegar os ingressos e ia ver onde estava passando o filme mais interessante. Eu ia às vezes ao Capitólio pra assistir os filmes de artes maciais e o famoso pancadão. Assisti muito no Capitólio porque eu também sou um cara meio vassourão com cinema. Eu assisto de tudo, todo estilo de cinema, apesar de ter alguns preferidos,” abordou.

De acordo com ele, apesar do Capitólio ficar conhecido pela época do encerramento, quando passava filmes adultos, também tiveram momentos de cinema bem peculiares e famosos dentro da cidade de Campina Grande.

“Eu acho que era durante o último suspiro do Capitólio que ele ficou conhecido por passar pornôs, mas com relação aos momentos peculiares, lembro que, se não me engano, foi o próprio Rômulo Azevedo que me contou, que quando passou O Exorcista lá ficou uma ambulância na porta do cinema, era um medo de que as pessoas passassem mal e tudo mais. Tem histórias bem curiosas do Capitólio. É um prédio bonito e sinto saudade do cinema de rua de Campina”, lamentou.

Cine Theatro Capitólio nos anos 60 (Foto: reprodução Facebook/ Walter Tavares)

De acordo com o assessor técnico da Secretaria de Cultura de Campina Grande (Secult), Walter Tavares, há muitas histórias a se lembrar do Capitólio. Conforme Walter, ele surgiu no auge do cinema de rua no Brasil. Em 19 de novembro de 1934, ele foi inaugurado com o filme norte-americano Cavadores de Ouro, que tinha no elenco artistas famosos da época, como Dick Powell e Jonh Blond. Até o início de 1960, ele também passou a ser palco de teatro, trazendo grandes espetáculos ao município.

“O Capitólio recebeu artistas de rádio e novelas daquela época. Ali se apresentaram grupos e também foi palco de lançamentos de grandes candidaturas de políticos, onde ocorriam várias sessões e embates políticos de Campina Grande. Dessa forma ele está intimamente ligado a história da cidade”, afirmou o técnico.

Ainda segundo Walter, o Capitólio era um dos prédios mais bonitos e imponentes no estilo Art Déco, vindo muito antes da reforma urbana de Campina Grande, sendo o máximo da modernidade da cidade para a época. Conforme o assessor, a descaraterização do cinema e teatro veio desde anos 60 e 70, quando ele teria sofrido várias reformas.

“É importante salientar que de patrimônio histórico mesmo naquela época já não restava nada, transformaram ele com mau gosto. Ele não tinha nada mais de patrimônio nem interna nem externamente, então o que é o patrimônio? Ele só tem patrimônio em termo de memória, do que foi vivido lá, mas há muito que ele não tinha de forma externa”, afirmou.

Fases negativas e revitalização

Para o técnico, como o cinema teve várias fases negativas, o Capitólio também foi afetado. “Começou com o surgimento da televisão. O cinema teve uma queda no mundo inteiro, mas especificamente em Campina Grande, quando os shoppings surgiram foram fundamentais para o esquecimento dos cinemas de rua daqui. Também houve decadência do Centro de Campina, há uma falta de revitalização como acontece em várias cidades, como Recife e João Pessoa, através de monumentos culturais.

Praça Clementino Procópio, inaugurada em 1936 pelo então prefeito Bento Figueiredo, era uma marca da época em que o estilo Art Déco começou a predominar na cidade. Ao fundo, o Cine Capitólio (Foto: Reprodução Facebook/Walter Tavares)

Para Walter, a retomada do Capitólio deve ser um ponto de partida para revitalizar o patrimônio histórico em Art Déco, o que pode representar a força da indústria turística de Campina Grande de forma a revitalizar o Centro de Campina. “Basta tomar como ponto de partida o cinema e a Praça Clementino Procópio, criando elementos de comércio de lazer que pode representar o ‘El Dourado’ na indústria de Campina. Esse, pra mim, é um momento histórico,” concluiu.

Capitólio, de 1934, com a igreja do Rosário em foto de 1940 (Foto: Reprodução Facebook/Walter Tavares)

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