Os casos confirmados do novo coronavírus na Paraíba estão em queda desde o mês de agosto. O fato despertou otimismo entre as pessoas, visto que, logo no momento em que as autoridades começaram a liberar os espaços públicos e as atividades econômicas, antes restritas pelo isolamento social, os níveis de contaminação da Covid-19 estariam diminuindo. Entretanto, essa diminuição pode estar diretamente ligada a uma redução significativa no número diário de testes realizados pelas prefeituras do estado.
Os dados divulgados diariamente pela Secretaria de Estado da Saúde (SES) partem de um apanhado feito com todas as prefeituras do estado, agrupando as informações e formulando os boletins que são divulgados pela imprensa cotidianamente, desde o dia 18 de março, data em que a Paraíba confirmou o primeiro caso de coronavírus. De lá até aqui, os dados oscilaram bastante, com o pico da doença, de acordo com os gráficos, estabelecido entre os meses de junho e julho.
Porém, após o mês de julho, justamente no período em que os órgãos sanitários e as autoridades começaram a divulgar os planos de flexibilização da economia na Paraíba, o número de casos passou a diminuir drasticamente. Por exemplo, no dia 1º de julho a Paraíba confirmou 1.218 casos em 24h, mediante a realização de 10.626 testes, já um mês depois, no dia 1º de agosto, o estado apresentou um número bem inferior, confirmando 667 casos em 24h, com a testagem de 1.879 pessoas. Os dados chamam a atenção, visto que não há justificativa para uma diminuição drástica em um intervalo de tempo tão pequeno.
Apenas no mês de julho, foram realizados 103.248 testes na Paraíba, com uma média diária de 4.512 exames. Já no mês de agosto, os dados apontam para uma média diária de 2.413 testes, enquanto o total de exames realizados no mês foi de 74.803, uma queda de 27% no número de testes realizados de um mês para o outro.
Os dados de casos confirmados mostram uma proporcionalidade entre a queda do número de testes com o número de casos confirmados no período. Durante o mês de junho, 35.286 pessoas tiveram diagnóstico positivo para o novo coronavírus, enquanto em agosto o número caiu 34%, computando 23.144 casos confirmados.
Com os dados gerais do estado apontando a diminuição no número de testes, o Portal Correio constatou que, apenas em João Pessoa – cidade que lidera as confirmações de coronavírus na Paraíba – o número de exames realizados entre julho e setembro registrou queda de 52,9%. Em julho, a Saúde de João Pessoa computou a realização de 19.240 testes, enquanto em agosto o número caiu para 9.051.
De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa (SMS), houve diminuição no número de testes realizados por conta de uma redução de pessoas com sintomas de síndromes gripais que têm procurado os serviços. Conforme nota da SMS, o órgão tem realizado um trabalho de busca ativa com profissionais da Atenção Básica visitando comunidades nos bairros que apresentam números mais elevados de casos de Covid-19 e índices mais baixos de isolamento social.
“Na Brigada Sanitária, mais de 55 mil pessoas foram abordadas e, dessas, 2,2 mil foram identificadas com sintomas de síndromes gripais”, disse a Pasta.
Apesar da justificativa da Prefeitura de João Pessoa, o Portal Correio ouviu relatos de pessoas que tiveram dificuldades em realizar o teste para detecção do novo coronavírus. É o caso de Joilma de Oliveira, que demorou mais de 15 dias para conseguir realizar o exame.
“Comecei os sintomas na sexta-feira, dia 4 de setembro. Como minha cunhada é médica, ela me orientou a ligar para o ‘disk-covid’. Liguei, uma pessoa me atendeu e me orientou que eu deveria ficar isolada em casa, tomar as devidas providências. Minha cunhada me passou alguns remédios e passou a febre, mas alguns sintomas perduraram, até a terça-feira seguinte (8)”, relatou.
Joilma informou que, como os sintomas não amenizaram, ela procurou uma Unidade de Saúde da Família (USF), onde foi atendida e teve o encaminhamento para a realização do exame requerido pela médica.
“Eu fui à USF na terça-feira (8) e atendida por uma médica. A médica achou meu caso mais parecido com faringite, mas que eu precisava fazer o teste para descartar a possibilidade de ser Covid-19. Lá, eles me garantiram que me ligariam com dez dias dos primeiros sintomas. Mas não me ligaram”, informou.
No dia 17, três dias após o prazo dado para a realização do exame, Joilma relatou que ficou preocupada com a situação e resolveu ligar para o Distrito Sanitário e saber o que tinha ocorrido que não recebeu a ligação para marcar o exame. “Liguei para o Distrito Sanitário no dia 17. Disse que estava preocupada etc. Contei todo esse relato e só depois dessa conversa com o distrito sanitário foi que me ligaram para marcar o teste”. Joilma fez o teste apenas na sexta-feira (18).
O matemático Rômulo Lins deu ao Portal Correio um parecer técnico sobre a relação entre a queda no número de testes realizados na Paraíba e a diminuição dos casos no estado.
“É uma regra de três diretamente proporcional. Se eu realizo menos testes, eu tenho menos confirmações positivas ou negativas. É fato. Se eu fizer 2 mil testes, eu tenho duas mil confirmações se houve ou não casos. A porcentagem de pessoas que chegam a falecer pela doença é de 2,3%. Então, a gente tem que lembrar que as pessoas estão, de repente, tendo sintomas leves, e não estão testando. Entretanto, esta pessoa que tem sintomas leves pode ser um vetor da doença e contaminar aquelas que são do chamado grupo de risco”, disse o especialista.
Outro dado importante para a análise é que, de fato, os números da doença na Paraíba estão diminuindo, inclusive o número de mortes, algo que não seria associado à diminuição dos testes, visto que todos os óbitos são testados. De acordo com Rômulo Lins, o dado mostra que, provavelmente, essa diminuição é exatamente naquelas pessoas que não apresentam sintomas mais graves da doença e que não estão procurando assistência médica, justamente pelo fato das flexibilizações estarem ocorrendo.
“De fato, os números atestam uma diminuição de casos e de óbitos. Porém, a gente não pode esquecer que a diminuição de casos também está relacionada à diminuição dos testes realizados. Diante desta ‘pseudo-diminuição’, percebo que as pessoas estão baixando a guarda, muito pelo fato de já estarmos há mais de seis meses da pandemia e também por serem aqueles assintomáticos ou sintomáticos leves”, completou.
Ainda de acordo com Rômulo Lins, devido ao período eleitoral, a previsão é de que os casos voltem a crescer, visto que os eventos políticos fomentam grandes aglomerações, ambientes que favorecem a proliferação do novo coronavírus.
“Não tenho dúvidas que agora, se aproximando o período de campanhas políticas, cada vez mais diante de aglomerações, os casos vão voltar a aumentar. Analisando o cenário do Brasil, percebemos que ainda não temos menos de 5 mil óbitos por semana. São mais de 138 mil óbitos. As pessoas querem fazer uma regra de três simples, querendo levar em conta a população, mas esquecem que o dado real deve ser feito com base na densidade demográfica, em uma regra de três composta”, finalizou o matemático.
Segundo a gestão estadual, ainda em janeiro, quando havia nível de alerta, foi elaborado o primeiro Plano de Contingência Estadual para Infecção Humana pelo novo coronavírus, documento que serviria de instrumento orientador das ações dos profissionais de saúde no enfrentamento de casos suspeitos e/ou confirmados. Mesmo não tendo nenhuma suspeita da doença, a SES já executava ações no nível de perigo iminente. O secretário executivo de Gestão da Rede de Unidades de Saúde, Daniel Beltrammi, destaca que a pergunta nesse momento inicial era “como a Paraíba será atingida?”.
“Reunimos não só as inteligências do Governo, mas chamamos também a sociedade civil organizada, todo o sistema de Justiça, o Poder Legislativo e o Poder Executivo Municipal, com representação dos municípios, para que, juntos, a gente pudesse analisar o cenário e formatar esse Plano de Contingência. Ele não dizia respeito só a preparar a Rede de Serviços de Saúde, mas incluía a preparação de toda uma estratégia de barrar a doença em seu início com restrição de mobilidade. E isso foi muito importante”, explica.
De acordo com a análise do secretário executivo, uma ação de destaque foi o planejamento da quantidade de testes que seria necessária para fazer o diagnóstico da pandemia. A meta do Estado sempre foi testar, pelo menos, 10% da população. Além da testagem, outras previsões foram se concretizando e ações foram implementadas nas atualizações do Plano de Contingência ao longo desses seis meses. Por exemplo, a distribuição dos casos nas Macrorregiões da Paraíba em porcentagem. O plano previa que 67% dos casos fossem ocorrer na 1ª Macro, 25% na segunda e 8% na terceira. Em setembro de 2020, a realidade que temos é de 62% dos casos concentrados na 1ª Macro, 22% na segunda e 16% na terceira.
“Não podemos esquecer da formação e preparo das equipes de saúde para lidar com uma doença desconhecida. Essa qualificação teve que ser alcançada não só pelos profissionais de dentro dos Hospitais, como também por aqueles da Atenção Básica, que estão nas Unidades Básicas de Saúde. Em nenhum momento, o paraibano ficou aguardando vaga por leito de terapia intensiva e de enfermaria”, pontua.
Sobre a situação atual dos casos e em que fase a Paraíba se encontra neste momento, o secretário explica que o estado atingiu o pico da doença e segue no planalto, estabilizado, com uma média de 700 casos novos por dia e mantendo um número entre 10 e 15 óbitos ocorridos por data de notificação ou nas últimas 24h. Fazendo uma cronologia da pandemia, os primeiros 10 mil casos ocorreram em um intervalo de aproximadamente 60 dias, demorando apenas 120 para chegar as mais de 100 mil confirmações, o que aponta um crescimento rápido.
“A gente agora discute mais a retomada e a flexibilização de como fazer o vírus parar de alcançar as pessoas e isso é preocupante. Nossa prioridade precisa ser responder a pergunta de como vamos conseguir fazer com que o vírus saia destes níveis e diminua o contágio. Preservar a saúde nesse momento continua sendo importante, porque ninguém é invulnerável à Covid-19 e a gente não deve ser surpreendido nessa caminhada”, observa.