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Jacaré do Açude Velho é personagem ilustre na história de Campina Grande

O jacaré do Açude Velho é um personagem ilustre e bastante popular em Campina Grande, cidade que completa 156 anos neste domingo, 11 de outubro. Por muitos anos a presença dos répteis no principal cartão postal da Rainha da Borborema foi considerada lenda urbana. 

Nem a Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema), nem a Secretaria de Serviços Urbanos e Meio Ambiente (Sesuma) tem uma versão oficial de como os jacarés-de-papo-amarelo chegaram a Campina Grande. Porém, como a cidade não possui ecossistemas propícios ao animal, pode-se afirmar que eles foram trazidos de fora. 

Não há registro da primeira aparição e autoridades ambientais também não conseguem precisar quantos jacarés moram ou já viveram no Açude Velho. Esse é um mistério que perdura. Mas uma coisa é certa: os jacarés existem (ao contrário do que muitos, até hoje, possam dizer). 

Dois ex-moradores do principal cartão-postal de Campina Grande podem ser visitados no Museu Répteis da Caatinga, que fica em Puxinanã, a 21 km de Campina Grande. Jack e Jéssica foram resgatados após escaparem do Açude Velho há mais de uma década. 

O primeiro a surgir fora das águas do açude foi Jack, em 2003. A aparição na Avenida Canal interditou o trânsito e assustou quem passava pelo local. Algumas pessoas reagiram mal à presença do bicho e resolveram agredi-lo. Jack foi apedrejado e sofreu pauladas. Por conta do ataque, acabou perdendo um dos olhos. 

Jack, ex-morador do Açude Velho (Foto: Divulgação/Museu dos Répteis da Caatinga)

Em 2005, Jack conheceu a namorada. Jéssica morava no Açude Velho, mas subiu por um dos canais do açude e só parou em uma casa no bairro da Conceição, onde foi resgatada. Estima-se que Jéssica tenha 20 anos de idade. Jack tem por volta de 30 anos.

Jéssica, ex-moradora do Açude Velho (Foto: Divulgação/Museu dos Répteis da Caatinga)

O Museu Répteis da Caatinga acompanha a aparição de jacarés nas áreas urbanas desde 2002. De lá para cá, ao menos 10 foram vistos no Açude Velho. A conta aumenta se forem levados em consideração os que são achados no entorno de Campina Grande. A informação é do administrador do museu, Silvaney Medeiros. 

De acordo com ele, o Museu recebeu outro casal resgatado em Campina Grande. Um dos jacarés estava em um lago próximo a um condomínio residencial na Avenida Marechal Floriano Peixoto, o maior corredor da cidade, e, o outro, foi achado no campus da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Silvaney Medeiros não descarta a possibilidade desse casal ter tido como origem o Açude Velho.

“Campina Grande tem muitos canais e riachos a céu aberto. Então, é possível que, em dias de chuva, os jacarés acabem migrando do açude, levados pela correnteza que vem de bueiros”, explica o administrador do Museu Répteis da Caatinga.

Ainda segundo Silvaney Medeiros, alguns jacarés podem sair do Açude Velho por instinto natural:

Existe a necessidade de procurar uma fêmea para reprodução e também uma briga por território. Os machos dessa espécie são dominadores, então jacarés derrotados ou jovens aventureiros acabam partindo para achar um novo local. Isso explica a expansão desses répteis para o entorno de Campina Grande.

Meio Ambiente

Por ter sido inserido em um ecossistema que não é o seu, os jacarés-de-papo-amarelo poderiam ter causado um desequilíbrio ambiental em Campina Grande. Grandes problemas só não foram registrados porque o Açude Velho é uma instalação “naturalmente desequilibrada”.

O Açude Velho foi construído no século XIX e o objetivo inicial era de que ele funcionasse como reservatório de água para consumo humano. Em 2017, a pesquisadora Amanda Laurentino Torquato destacou, em dissertação de Mestrado, que a instalação serviu à população até o início do Século XX. Os moradores de Campina Grande também usavam o Açude Velho para tomar banho, lavar roupa e pescar. 

Com a degradação da capacidade hídrica do reservatório e o crescimento da população, outros açudes foram criados. O Epitácio Pessoa, em Boqueirão, assumiu a função de abastecer Campina Grande, a partir da criação do sistema de distribuição encanada de água. Assim, o Açude Velho perdeu sua finalidade inicial, tornando-se um cartão postal. A interferência humana, no entanto, persiste até os dias atuais.

“O Açude Velho recebe despejos de esgotos que correm por canais que vêm do centro da cidade e dos bairros circunvizinhos. As atividades humanas vêm influenciando negativamente a qualidade da água do reservatório devido à entrada contínua e elevada de matéria orgânica e poluentes que promovem o processo de eutrofização do corpo aquático”, diz um trecho da dissertação de Amanda Laurentino Torquato. 

A engenheira Rafaela Oliveira, do setor de Limpeza Urbana da Sesuma, disse ao Portal Correio que a Prefeitura de Campina Grande firmou uma parceria com a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) para analisar a qualidade da água e aplicar melhorias no ecossistema artificial. “O Açude Velho possui função estética, mas queremos preservar a vida aquática que há nele”, cravou. A previsão é de que os trabalhos comecem a ser executados ainda em 2020.

“O Açude Velho sofreu muitas intervenções humanas ao longo dos anos, então é um ambiente naturalmente desequilibrado. Os jacarés-de-papo-amarelo são imunes ao tipo de poluição da água de lá. No açude existem também outros animais que não ocorreriam naturalmente em Campina Grande, como as garsas e as tilápias”.

Silvaney Medeiros

Mascote da cidade

Mesmo em condições questionáveis, os jacarés-de-papo-amarelo de Campina Grande resistem. O sucesso do bicho é tanto que quando o artista plástico Cândido Freire teve a ideia de criar um bloco para resgatar a tradição do carnaval de rua em Campina Grande a inspiração não pôde ser outra. Em 2011, cerca de 30 foliões levaram às ruas o Bloco Jacaré do Açude Velho. A festa conquistou os campinenses e, na edição seguinte, contou com a presença de mais de 500 pessoas. O público foi crescendo e, a cada ano, ficando mais diversificado. Atualmente, o bloco sai com minitrios elétricos e possui espaços voltados para crianças e animais de estimação.  

“No primeiro ano, demos uma volta singela no açude, sem música, mas vibrando. Não esperávamos esse sucesso que é hoje em dia. Fomos muito audaciosos em criar um evento para a terça-feira de carnaval. Antes, as ruas eram desertas na cidade nesse dia. Agora em 2020, reunimos mais de 50 mil pessoas”, comemora Cândido Freire.

Segundo o artista plástico, o jacaré do Açude Velho é como um mascote para Campina Grande. Cândido Freire projeta que o réptil pode se tornar uma figura ainda mais ilustre e conhecida não somente pelos campinenses. A ideia é que turistas possam levar para casa uma lembrança do célebre animal.

“O jacaré do Açude Velho tornou-se, para nós, um mascote da cidade. Tentamos propagar a imagem dele para que, em breve, existam chaveiros e outros souvenirs que remetam ao jacaré”. 

Cândido Freire

O Bloco Jacaré do Açude Velho não homenageia um único animal em específico, mas Jack, aquele de quem falamos no início da reportagem, esse sim conseguiu fama. Jack é mascote do time Basquete Unifacisa, que disputa a Liga Nacional de Basquete (NBB). 

Jack, mascote do Basquete Unifacisa (Foto: Divulgação/Daniel Nery)

Além disso, inspirou peça de teatro. ‘Jack, o jacaré do Açude Velho’ é uma montagem da Arretado Produções Artísticas. O espetáculo aborda a jornada de Duda e Deda, duas crianças que se aventuram a procurar Jack. No caminho, os amigos contam com a ajuda de personagens inusitados, como o socó malandro Soró, a elegante garsa dona Graça e o trio de forró Piabas Paraibanas.

É preciso cuidado

De inicialmente desacreditados ou temidos, os jacarés do Açude Velho acabaram se tornando uma atração do cartão postal. Mas é necessário cautela e não se aproximar desses animais. 

“Os jacarés-de-papo-amarelo não costumam atacar sem motivos. Eles nunca vão sair do açude com o objetivo de dar o bote em ninguém, mas jamais uma pessoa deve se aproximar dele. Nem se ele parecer em apuros e a intenção for ajudá-lo. Os jacarés são animais muito fortes e podem causar ferimentos gravíssimos em um humano”, alerta Silvaney Medeiros. 

Caso algum jacaré saia das águas do Açude Velho e invada as ruas, o certo é acionar a Polícia Militar Ambiental (PMAmb) ou o Corpo de Bombeiros.

“Não se aproxime, não agrida, nem tente capturar o jacaré. O que deve ser feito é ligar imediatamente para Polícia Militar através do número 190 e informar o local preciso onde se encontra o animal. Seguindo estas orientações, diminuem os riscos de acidente com o animal”, recomenda a PMAmb.

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