Moeda: Clima: Marés:
Início Notícias

João Trindade: O coronaLíngua

Um vírus muito perigoso e que se manifesta de várias maneiras diferentes está assolando nosso país: é o coronaLíngua. E o pior é que o fenômeno, com a advento das Redes sociais, prolifera-se numa velocidade talvez maior do que a do coronavírus. É um vírus que afeta quase todos os aspectos da Língua Portuguesa; e o pior: apesar de haver cura, as pessoas parecem não pretender detê-lo.

Principais maneiras como está se manifestando:

1.O desprezo completo à interrogação.

Uma dentista amiga me confidenciou que está a ponto de ficar louca com a atendente do consultório dela, porque esta, nas mensagens do WhatsApp, não usa interrogação. De modo que ela não sabe e a moça está interrogando ou afirmando. E me deu um exemplo:

– Olha, eu estava em casa me preparando para sair quando recebi uma mensagem dela:

– A paciente das 9 horas vem.
Não sei se ela está afirmando ou me perguntando.
Tal fenômeno infelizmente está grassando nas Redes sociais; sobretudo no Facebook. Neste, por exemplo, vi algumas postagens em que a pessoa colocou uma bela foto da Igreja do Rosário e “perguntou”:

– Quem se lembra da Igreja do Rosário.
Estava claro, pelo contexto, que ela estava fazendo uma pergunta, mas a interrogação não estava lá. Aonde vamos chegar? É inacreditável que pessoas que até deveriam ter uma
certa noção da Língua (advogados, por exemplo) cometam erros INACREDITÁVEIS e ABSURDOS como o do próximo item:

2.Uso do R da desinência de infinitivo na 3ª pessoa do singular (esse é o
cúmulo!…).
Fico revoltado! Como é que uma pessoa que chega a um grau superior comete um erro do tipo:
– Você deu uma olhada naquele despacho do juiz?
– Não; eu ainda não vir (sic).
Aí, não suporto:
– Você quis dizer: “Ainda não vi, não é?…”.

3. Eliminaram – de vez – o pretérito mais-que-perfeito (pelos menos muitos advogados).

Desculpe-me, colegas, mas dessa vez vou falar especificamente para vocês, porque até agora só vi em petições e em grupos de WhatsApp de pessoas da categoria. Observemos o seguinte erro, repetido em diversas petições trabalhistas:

“A Reclamante fora admitida pelo Reclamado em 11 de março de 2012 (…).”
Ora, a forma usada está errada. Não cabe aí o pretérito mais-que-perfeito (terminação RA); mas sim, o pretérito PERFEITO. Trata-se de uma ação pretérita (passada) perfeitamente acabada. Portanto, o certo seria:

“O Reclamante FOI admitida em 11 de março de 2012.”

Caberia o mais-que-perfeito, no seguinte exemplo hipotético:

Vamos supor que numa contestação o advogado do Reclamado escrevesse:

“O Reclamante foi demitido porque que já fora avisado de que, se continuasse faltando com frequência ao trabalho, só restaria ao Reclamado demiti-lo.”

Observe que aí, sim, deve ser usado o pretérito mais-que-perfeito, porque estamos diante de uma ação pretérita anterior (referente) a um passado.

4.BASTIDOR

Como se sabe, de vez em quando a imprensa inventa modismos, que são repetidos à exaustão. Agora chegou a vez de “bastidor”.

Aí o comentarista da TV fala:

“Olha, eu tenho aqui um bastidor (sic) muito importante.”

Ora, aquilo que não acontece às vistas do telespectador (Falo de TV, porque é onde o erro tem sido repetido), mas que está sendo revelado ali são os BASTIDORES.

Para usar um chavão, “os bastidores da notícia”.

Nesse sentido, a palavra é um tipo de substantivo que só se usa no plural. Poder-se-ia argumentar:

Mas existe o singular: bastidor.

Sim, mas em outro sentido. No singular, a palavra se refere a um utensílio usado no mundo da costura. Aí, sim, você pode ter um bastidor ou dois bastidores. Minha mãe, por exemplo, tinha dois.

Um conselho final:

Ao contrário do coronavírus, se você está infectado, não se isole; pergunte a quem achar que domina razoavelmente a Língua; ou aconselho, caso não conheça ninguém que tenha tal habilidade, isolar-se com uma boa gramática à mão. Pelo menos essa vantagem esse vírus tem: apresentar mais de uma opção para combatê-lo.

publicidade
© Copyright 2024. Portal Correio. Todos os direitos reservados.