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Jornalista e publicitária criam projeto de conteúdo voltado para mulheres

Nossas bisavós conquistaram o direito de votar e serem votadas. Nossas avós conquistaram o direito ao divórcio. E enquanto uma parcela do mundo acredita que está dando licença às mulheres para comandarem empresas, assumirem o poder político e propagarem sua arte e ideias, a nova geração está criando seu próprio espaço. As vozes femininas da atualidade estendem o tapete vermelho para si mesmas. Política, finanças, sociedade. Seja qual for o assunto, elas estão lá, navegam no alto mar da web. Elas ligam a câmera, o microfone ou abrem o editor de textos e criam movimentos que conectam.

A jornalista Érica de Oliveira estava insatisfeita com um alto cargo de liderança que exercia e resolveu mexer os pauzinhos do mercado. Junto com uma amiga publicitária fundou o projeto Nossa Fala, totalmente digital e feito 100% por mulheres para mulheres. Neste domingo (8), vai ao ar o primeiro episódio do podcast produzido por elas nas plataformas de streaming.

“Eu tinha um cargo de liderança em uma redação. E me senti inquieta. Conversando com uma amiga publicitária, percebi que tínhamos o mesmo anseio de dar uma mexida no mercado de trabalho e falar sobre as dificuldades que a mulher enfrenta. Seja no começo dessa jornada ou durante uma reinserção, como era o meu caso. E foi pensando na questão da mulher e das suas jornadas que surgiu o Nossa Fala, uma plataforma de produção e compartilhamento de conteúdo. Somos mais de 24 mulheres de diversas áreas que produzem conteúdo em vídeo, podcast e texto, cada uma em sua área, dando sua visão e discutindo temas atuais que interessam a elas”, afirma.

 

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No time inicial há publicitárias, jornalistas, advogadas, estilistas avisando: se não há espaço, nós o criamos. “Todos os dias, todos os assuntos. Um time de mulheres falando sobre tudo, todos os dias”, avisa o manifesto do projeto.

“Se você nasce mulher e entende o contexto em que está, é calada muitas vezes e precisa sempre buscar meios de falar. Nesse contexto, a internet vem como a principal plataforma. Ali a mulher consegue falar sobre o que sente, conectar com outras mulheres, criar rede de apoio. E este é o centro da nossa campanha: se não há espaços, a gente cria. É importante entender que mesmo com a internet a gente ainda precisa se considerar em lugar de privilégio, pois há mulheres que não têm esse acesso e o projeto vem para dar essa voz”, avalia.

Para Érica, as conquistas não foram finalizadas. É preciso atenção aos cenários sociais para que os direitos alcançados não sejam roubados. “O que a gente vem notando nas discussões e encontros, e é algo que nos preocupa muito, é o fato de enxergarem a luta das mulheres como algo que já cessou. Como se as mulheres já tivessem conquistado tudo. Essa luta não tem fim. O cenário político vêm trazendo um conservadorismo e a mulher precisa de um lugar de consciência para não esquecer que a gente precisa sempre manter o que já foi conquistado”, opina.

‘Não é sobre eles, é sobre nós’

A cofundadora do Nossa Fala, a publicitária Marcela Quirino, afirma que o desafio atual das mulheres é ampliar o olhar das mulheres para a situação de privilégio de umas em relação a outras. “Os espaços para a mulher estão melhorando, se ampliando, se compararmos com alguns anos atrás, quando era mais difícil ver mulheres à frente das comunicações. Sinto que há essa melhora, mas que a gente ainda não pode se acomodar. Quanto mais espaços ocuparmos, melhor. Principalmente para mulheres que estão em situação de minoria. A gente vê uma ascensão maior da fala da mulher nas mídias, mas ainda é difícil ver a diversidade dessas mulheres: mulheres negras, pobres, gordas, trans. Ainda falta representatividade”, diz.

Para Marcela, as mulheres, principalmente as nordestinas precisam se apropriar mais dessa ferramenta. “A internet é um lugar de muita democracia para a voz feminina. É um lugar onde a gente tem muito acesso à informação. Informações que às vezes não chegariam até nós de forma tradicional. Pela internet consegue chegar. É uma forma de empreender também. Acabou virando um espaço de negócios, de criação de empresas. É importante para a emancipação. É um local de fala, onde a gente pode se expor, se expressar, e compartilhar experiências. Se prensarmos num contexto de campo, espaço e localização, existem poucos projetos que usam a internet dessa forma”, analisa.

Um dos desafios atuais, para a publicitária, ainda é reagir aos preconceitos que acontecem de forma sutil. “Os desafios são muitos. Combater o machismo, que acontece de forma também muito sutil, por exemplo. Ainda é muito desafiador reagir a isso. Mas acredito que o principal, neste momento de transição, e de emancipação, é desconstruir as próprias mulheres. Algumas nem entenderam sobre o que é esta luta. Algumas acham que já conquistamos o voto e o direito ao trabalho e que já ficou tudo bem. Acho que muitas se intimidam com os conceitos, que no geral são muito mal interpretados. É importante entender que muitas mulheres não têm nosso privilegio de informação. É um momento de dialogar para a desconstrução. E que é um processo lento, mas que vem dando certo. É parar de enxergar que isso é uma luta sobre homens. Não é a respeito deles, é sobre nós. Todo dia aprendemos coisas novas. E uma delas, que é urgente, é acabar com a rivalidade feminina, a competição entre mulheres e mostrar que a melhor coisa é a gente se unir por uma causa que será boa pra todo mundo”, assegura.

Existe uma mulher na função de mãe

A artista digital e influenciadora Mirelly Wanderley sempre gostou da internet. Mas se engajou mais ainda, depois que descobriu que se tornaria mãe. “Sempre gostei de estar na internet e quando engravidei eu queria mostrar essa novidade. Criei um perfil para mostrar a minha gestação e depois meu dia a dia com Lorenzo. Muita gente apareceu se identificando comigo e foi acontecendo naturalmente de aparecer quem está ali por trás. Uma mãe falando da sua vida. Uma mãe falando do seu dia. Com o passar do tempo, meu perfil que antes levava o nome do meu filho passou a ter o meu nome. E aquele espaço se transformou em um lugar meu, onde eu mostrava coisas além da maternidade. Um lugar onde eu passei a falar de trabalho, de casa e da vida além do filho”, conta.

Para ela, é importante registrar e compartilhar as dificuldades, pois é isso que conecta as mães a não se sentirem tão sozinhas nesta jornada. “Eu gosto de mostrar a vida real. Não gosto de mascarar nada. Mostro que existe dificuldade na maternidade, nos trabalhos, e mostro também as partes boas, mas é tudo sobre uma vida real. E as pessoas veem que ali não existe só uma vida perfeita, mas com perrengue também”.

Vivendo uma nova fase de mostrar mais o seu trabalho, Mirelly está focada na produção de conteúdo sobre os desafios do empreendedorismo materno. “Agora mais do que nunca eu quero falar sobre empreendedorismo feminino, principalmente materno. Muitas mães perdem o rumo após a maternidade. Não conseguem retornar ao mercado de trabalho, muitas vezes quando engravidam novas demais não conseguem nem se inserir no mercado, como foi o meu caso. Se meu curso não facilitasse tanto o fato de criar produtos online, talvez eu nem tivesse a oportunidade de me inserir, pois engravidei prestes a me formar. E hoje, já que ali se tornou meu espaço, eu tento mostrar isso. A vida real, a maternidade com erros e acertos e os caminhos e alternativas para se empreender”, destaca.

O grande desafio, segundo ela, é também diminuir as barreiras para que as mães possam construir seus negócios. “Acho que o desafio atual da mulher é se encontrar no mercado. As mães têm mais obstáculos ainda. Existe toda a múltipla tarefa que nos envolve. E apesar de a gente já ter conseguido conquistar muita coisa, ainda é comum ver uma mulher e um homem com a mesma habilidade ganhando salários distintos. É preciso tornar possível a vida das mães. Para que elas tenham acesso à educação gratuita de qualidade. Algumas creches públicas de qualidade têm limite de vagas, outras ficam fechadas por dois meses e nenhum emprego te dá esse tempo todo de férias”, garante.

Internet empodera a consciência

Segundo a psicóloga Ana Karine Gonçalves Santos, a internet é uma ferramenta que tira as mulheres do isolamento e as fazem se enxergar como parte de um cenário que pode ser modificado.

“Os movimentos que hoje estão na internet, permitem que as pessoas simplesmente mostrem liberdade. Se mostrar enquanto livre, em contextos de apoio, de relatos pessoais, de superação ou de sofrimento, tem sido muito importante. É muito comum que mulheres que estejam passando por situação de violência não se percebam como tal ou acreditem profundamente que somente elas passam por aquilo. E passam por aquilo, número um: porque elas fizeram algo errado e merecem. Ou dois: porque elas são muito fracas. Então se envergonham, se constrangem e esse tipo de sentimento faz com que o isolamento seja maior”, afirma.

É ai que entram os projetos protagonizados por mulheres. “Grupos de apoio e perfis que expõem essa realidade, de forma a dizer que essa é uma realidade social, e que existe mudança para tal, permite que essa pessoa se veja com outros olhos, não mais os olhos depreciativos, os olhos da dor, de fraqueza e fragilidade, mas com os olhos de um potencial para a mudança. ‘Se não sou só eu que vivo essa realidade, e se outras pessoas já passaram por isso e por coisas piores e superaram, eu também posso’. Isso é fundamental. Psicologicamente, você sai de um ponto de isolamento, de sofrimento. Você deixa de ser o patinho feio para encontrar uma grande família, uma grande família com um potencial imenso. Você pode mudar. Existe uma realidade diferente. Isso não está dado. Não é porque começou assim que tem que continuar assim. Todo esse movimento na internet tem adesão. As pessoas gostam porque elas se identificam e veem potencial de mudança. E não é sobre olhar pela janela do outro, é encontrar ferramentas e caminhos para se defender”, explica.

Liberdade da mulher não é mais associada

Ana Karina lembra que, por muito tempo, a liberdade da mulher esteve associada a estar acompanhada. Mas que as próprias mulheres resinificaram este e outros conceitos. “A independência era entendida como sair da casa dos pais era ligada muito a ter uma casa sua, que era mantida ou teria que ser feita a partir de um matrimônio. Hoje essa compreensão é diferente. As pessoas ou a maioria delas têm a oportunidade de entender e mediar e pensar quando elas querem ter um matrimônio, inclusive é mais comum que as pessoas vivam juntas, dividam a mesma casa, mas não entendam-se como casadas porque não são. Esse relacionamento não é para toda a vida. É um relacionamento que está existindo agora e isso basta. Essa diminuição das pressões tem sido vivida também”, comenta.

Uma das questões em constante debate é sobre a definição do feminino. Para a mestre em psicologia da saúde, a internet é uma ferramenta para o empoderamento. “O empoderamento é a tomada de consciência de que essa mulher pode ser dona da casa dela sem precisar ser casada, sem precisar ter filhos, sem precisar de um homem, ou de nenhum tipo de companhia inclusive. Esse processo de tomada de consciência é o empoderamento feminino e ele traz consequências? Sim, pois cada movimento de mudança é tomado por uma grande resistência. É um processo também ao tempo negado para o feminino ser, mas não necessariamente o que o outro considera como tal”, esclarece.

*Texto de Renata Fabrício, do Jornal CORREIO

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