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Mais de 11 mil sofreram amputação na PB em 10 anos

Perder uma parte do corpo e ganhar uma nova perspectiva de vida. Pessoas que passaram por processos que exigiram a amputação de um membro, seja um acidente ou algum tipo de doença, sabem que não é fácil encarar este novo contexto. Práticas corriqueiras precisam ser reaprendidas, dinâmicas do dia a dia são repensadas e este ‘novo’ mundo exige que o indivíduo olhe ao redor por uma outra ótica. Simples não é, mas com persistência, foco e força a vida pode se revelar ainda melhor do que sempre foi.

Sérgio Aguiar tinha 27 anos quando precisou encarar esta nova perspectiva. Ele estava em sua moto, a caminho da aula de jiu-jitsu, esporte que se dedicava em paralelo ao vôlei, natação e fotografia, outras das suas paixões até então. Um carro, com motorista alcoolizado e em alta velocidade, colidiu com sua moto, mudando dali em diante sua trajetória de vida. Foram nove dias em coma e, quando acordou, recebeu a notícia da psicóloga: havia perdido um braço e uma perna.

Amputação

Sérgio Aguiar tinha 27 anos quando precisou encarar esta nova perspectiva (Foto: Assuero Lima/Jornal CORREIO)

“Ele estava embriagado, foi autuado em flagrante. Após o impacto eu apaguei, entrei em convulsão. Me disseram que quando o socorrista chegou não conseguiu de imediato encontrar meu braço, porque ele tinha sido arrancado e caiu dentro do carro do motorista que bateu em mim. Quando acordei e a psicóloga me falou eu não acreditei, achava que era um sonho. Ela primeiro disse que perdi a perna. Quando levantei o coto senti algo mais leve, daí vi que realmente era real. Logo em seguida ela disse que eu também havia perdido o braço e aquilo mexeu muito comigo. Eu era jovem, no auge da minha carreira de atleta, de repente perder um braço e uma perna assim”.

Vítima do descaso e irresponsabilidade no trânsito, Sérgio escolheu viver. E viver bem. “Eu queria logo sair daquela cadeira de rodas, queria cuidar da educação dos meus filhos. Eu senti a ajuda forte de Deus me controlando, dizendo que eu ia superar, que eu teria uma família e que eu ia fazer coisas boas na vida. Isso me motivou a levantar a cabeça e inclusive a perdoar o cara que fez isso comigo. Quando fiquei à vontade com meu novo corpo foi quando eu pedi para ele, o motorista bateu na minha moto, olhar para mim. E, olhando nos olhos dele, eu disse que o perdoava”, disse.

Reavaliando a vida

Todo aquele processo, de dor e trauma, também foi um processo de reavaliação da própria vida. Depois de conhecer por segundos o próprio inferno, Sérgio Aguiar encontrou a paz que o transformou num ser humano maior.

“O motorista que me atropelou não tinha coragem de me olhar nos olhos, mas eu pedi que ele olhasse. Eu queria que ele sentisse que eu o perdoava. E, olhando nos seus olhos, eu disse que o perdoava. Pedi que ele não saísse por aí destruindo a vida dos outros, pois a minha ele não tinha destruído. Pois eu iria dar a volta por cima. E dei. Hoje faço até mais do que sempre fiz, não só por mim, mas também pelos outros. Aprendi a me preocupar muito mais com as pessoas”, disse.

Amputação

Vítima do descaso e irresponsabilidade no trânsito, Sérgio escolheu viver (Foto: Assuero Lima/Jornal CORREIO)

Além do jiu-jitsu, vôlei e natação, modalidade pela qual foi campeão nos jogos paralímpicos, Sérgio Aguiar pratica surfe, futebol e pedalada. Ele também toca o Projeto Barra Surfe, que forma jovens e adultos de Barra de Camaratuba para práticas esportivas. Sério Aguiar também é voluntário do Projeto Acesso Cidadão, que auxilia e incentiva pessoas com dificuldade de mobilidade a utilizar a praia do Cabo Branco.

“Amputar os membros não me limitou. Continuo sendo fotógrafo e apaixonado pelos esportes. Sempre falo que tudo depende da sua cabeça e sua mente. O que você quiser fazer, basta correr atrás, ter fé e foco que você chega no seu objetivo. Independente da sua condição. Você consegue. É normal sentir a dor, o medo e a raiva. Mas se você deixar isso passar, você consegue”, disse Sérgio Aguiar.

Em uma década

Na Paraíba, nos últimos dez anos, foram realizadas 11.543 processos de amputação, segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde (SES). Somente em 2018, 1.123 procedimentos. Deste total, 646 (57,5%) foram amputações de membros inferiores; 276 de dedo (24,5%); e 95 de pé e tarso (8,4%). Em 2019, já foram 610 casos de amputação. Segundo informações da SES, os hospitais que mais realizaram procedimentos do tipo, entre os anos de 2009 e 2019, foram: Hospital São Vicente de Paulo (3.697), Hospital Regional de Emergência e Trauma Dom Luiz Gonzaga (2.764), Hospital Universitário Alcides Carneiro UFCG (763), Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena (730) e Complexo Hospitalar Deputado Janduhy Carneiro (666).

  2015 2016 2017 2018 2019
Amputação / Desarticulação de membros inferiores 557 627 650 646 349
Amputação / Desarticulação de dedo 360 254 286 276 143
Amputação / Desarticulação de pé e tarso 80 66 71 95 58
Amputação cônica de colo de útero 23 23 40 31 16
Revisão cirúrgica de coto de amputação de dedos 16 18 15 25 15

Fonte: SES

Diretrizes à Pessoa Amputada

De acordo com o Ministério da Saúde, estima-se que as amputações do membro inferior correspondam a 85% de todas as amputações de membros, apesar de não haver informações precisas sobre este assunto no Brasil. Em 2011, cerca de 94% das amputações realizadas pelo SUS foram no membro inferior.

Na sua publicação Diretrizes de Atenção à Pessoa Amputada, o Ministério da Saúde aponta que as indicações mais frequentes para amputação do membro inferior são decorrentes das complicações das doenças crônico-degenerativas e ocorrem mais frequentemente em idosos. Aproximadamente 80% das amputações de membros inferiores são realizadas em pacientes com doença vascular periférica e/ou diabetes.

As amputações por causas traumáticas prevalecem em acidentes de trânsito e ferimentos por arma de fogo, sendo essa a segunda maior causa. O material aponta ainda que, entre as amputações não eletivas, o trauma é responsável por cerca de 20% das amputações de membros inferiores, sendo 75% dessas no sexo masculino.

As diretrizes do órgão dizem que “amputação” é o termo utilizado para definir a retirada total ou parcial de um membro, sendo este um método de tratamento para diversas doenças. É importante salientar que a amputação deve ser sempre encarada dentro de um contexto geral de tratamento e não como a sua única parte, cujo intuito é prover uma melhora da qualidade de vida do paciente, aponta o MS.

Sobre a cirurgia

A cirurgia de amputação tem por objetivo retirar o membro acometido e criar novas perspectivas para a melhora da função da região amputada. O cirurgião deve ter em mente que, ao amputar um segmento corporal do paciente, estará criando um novo órgão de contato com o meio exterior, o coto de amputação, e deverá planejar a estratégia cirúrgica antevendo um determinado processo de reabilitação, orienta o Ministério da Saúde nas suas diretrizes.

O documento diz também que, sempre que possível, anteriormente a uma cirurgia de amputação, uma avaliação cognitiva deve ser realizada na tentativa de se identificar a habilidade do paciente em aprender, se adaptar e usar a prótese, assim como a capacidade do mesmo para alcançar um nível ótimo de autonomia e independência com o uso do equipamento.

Esta avaliação deve ser conduzida por um profissional devidamente habilitado, que saiba ponderar situações como estresse pós-traumático, negação, ansiedade e desorientação (típica de longas internações hospitalares), que podem influenciar os resultados. É recomendável que a bateria de avaliação inclua testes de função intelectual, atenção, concentração e processamento cognitivo. Os autores também sugerem a investigação das funções executivas, memória de trabalho, de curto e longo prazo, auditiva e visual, além das habilidades de recuperação de informações e reconhecimento.

*Texto de Beto Pessoa, do Jornal CORREIO

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