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Medo da violência faz população se tornar ‘prisioneira’ em casa

Na correria do dia a dia, as pessoas não percebem, mas estão sendo observadas por câmeras de segurança instaladas nas casas, ruas, prédios, sinais de trânsito. Apesar de aparentemente livres, elas vivem presas dentro de casa, cercadas por muros altos, portões enormes, cercas elétricas, com medo da violência. Outras estão confinadas em condomínios que têm uma série de ‘ferramentas’ para reforçar o sossego dos moradores como guaritas com segurança 24 horas, vidraças blindadas.

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Quem tem boas condições financeiras aposta, não só em bons veículos, mas também na segurança deles, como vidros à prova de balas. Aparelhos celulares contam com GPS e aplicativos que dão a sensação de segurança enquanto se está percorrendo um trajeto de Uber, por exemplo.

A falta de segurança tem gerado medo e a mudança de comportamento das pessoas. Em razão desse cenário, elas têm investido cada vez mais em equipamentos que garantam, de alguma forma, a sensação de estarem seguras. Dentro de casa, se tornam reféns do medo.

Em casa e, principalmente, nas ruas, a segurança da população deveria ser garantida pelos governantes em todas as esferas, municipal, estadual e federal. Porém, como isso não tem acontecido, quem tem condições se isola, tornando-se prisioneiro dentro da própria casa.

Em busca de qualidade de vida

A busca pela qualidade de vida foi o que motivou a assistente social Sandra Lúcia Severo da Silva, de 46 anos, a optar pela mudança de uma ‘casa solta’ para um condomínio fechado, há dez anos. “Um dos motivos é que, na época, meus filhos eram pequenos, com 9 e 12 anos, e eu queria dar qualidade de vida a eles. Onde eu morava, era rua. Eles brincavam de bola, mas passava carro e eu me preocupava. Outro motivo foi a questão da segurança também que, na rua, já não tinha mais”, lembrou.

Ver os filhos crescendo num ambiente seguro fez com que Sandra se sentisse mais tranquila em termos de segurança. “A probabilidade de um ladrão entrar aqui é menor do que numa casa solta. Mas, às vezes, penso: estou guardada, resolvi meu problema. Porém, e a falta de segurança de todos? Fico me questionando nesse sentido”, observou.

Sandra Lúcia recorreu ao condomínio fechado para se sentir segura (Foto: Nalva Figueiredo/Jornal CORREIO)

Para ela, a segurança pública precisa ser melhorada. “Eu vou além, precisa melhorar na base, precisa melhorar na questão da desigualdade social. Não adianta ter policiais preparados se a população não recebe educação, não vai para a escola, não tem saúde. E uma coisa desencadeia outra”, constatou a assistente social.

Ela acredita que é necessário mais treinamento para os policiais. “É necessário acabar com o preconceito, porque hoje vemos que quem tem tatuagem, brinco, quem é negro, quem mora na periferia é rotulado. Essas pessoas precisam de ajuda. Se é ‘filhinho de papai’, deixam passar. Esses rótulos precisam ser quebrados. Não adianta muito policial sem preparo, agindo da forma como abordam. É preciso mais humanização e efetividade nas ações das polícias. A Paraíba tem a polícia que mata menos. Louvamos por isso, mas precisa de muito preparo ainda”, opinou.

Condomínios fechados oferecem mais segurança

Quase um ano se passou desde que a aposentada Lúcia Almeida, 69, se mudou para um condomínio fechado no bairro dos Bancários, em João Pessoa. A mudança, que veio após a morte do marido, trouxe benefícios para a idosa que hoje se sente mais segura do que na época em que vivia numa casa.

“Aqui, com exceção do zelador que entrega as correspondências, ninguém vem bater na minha porta e, sempre que chega um visitante, o porteiro nos avisa. O terreno possui cerca elétrica e câmeras de segurança. Nem chave usamos para trancar a porta. Não preciso ir para a rua fazer minha caminhada. Na área de lazer faço isso sem medo de um assalto ou algo assim”, declarou.

Muros cada vez mais altos e cercas elétricas trazem sensação de segurança (Foto: Nalva Figueiredo/Jornal CORREIO)

Para ela, que mora com dois filhos, uma nora e a neta de oito anos, a mudança para o condomínio fechado mudou a rotina da família em relação à segurança. “Aqui é fantástico para criança. Minha neta nunca ia para a rua sozinha quando morava em uma casa independente, mas agora ela aproveita essa segurança para andar de bicicleta e fazer amizades. Isso é muito saudável”, relatou.

Segundo a aposentada, moradores e visitantes precisam respeitar regras como, por exemplo, dirigir com velocidade máxima de 20 quilômetros por hora. “Sei que, ao sair na rua, não tenho a mesma segurança. Em muitas situações, quem deveria proteger, não o faz. Mas, ao menos enquanto estou dentro de casa tenho a garantia de que posso dormir em paz”, constatou.

Casas se transformam em fortalezas

Com tantas histórias de violência veiculadas diariamente, a dona de casa Suely Silva, 42, que mora no bairro de Jaguaribe, na Capital, mudou totalmente a fachada da casa em nome da segurança. No imóvel, ela vive com o pai, que tem mais de 90 anos, e os dois passam muito tempo sozinhos. Por isso, aos poucos, ela foi transformando a casa numa verdadeira fortaleza. Para ter acesso, é preciso tocar a campainha e esperar que ela abra a porta da sala, que está sempre trancada de chave. Em seguida, é preciso destrancar a grade do terraço e o portão.

“Mandei instalar grades de ferro no muro e coloquei uma cobertura na área que seria o jardim. Não quero que ninguém tenha acesso sem que eu dê permissão e eu não acho isso um exagero”, relatou. Suely afirmou que procura fazer o possível para se sentir mais segura. A gente nunca sabe quando vai aparecer alguém querendo invadir, levar nossas coisas. Então, sigo aquele ditado que diz: melhor prevenir do que remediar”, justificou.

Violência

Carros blindados, muros e câmeras de segurança são ‘afagos’ para quem se sente ameaçado (Foto: Nalva Figueiredo/Jornal CORREIO)

Outro exemplo vem do bairro de Mangabeira, em João Pessoa, onde mora a cabeleireira Giane Pinheiro com o filho de nove anos. Em frente à casa dela, há uma praça com parquinho e muitas famílias com crianças. O problema, segundo ela, são os jovens que se reúnem no local para beber e comer espetinhos até a madrugada. “Já ouvi conversas horríveis, tiros. Ouvi um grupo espancando um rapaz. Eu simplesmente não conseguia dormir. Depois que pularam meu muro e tentaram arrombar a porta, perdi totalmente o sossego. Só voltei a ter um pouco mais de tranquilidade quando instalei cerca elétrica. Mesmo assim, penso em me mudar”, disse ela, que mora no bairro de Mangabeira.

Urbanista diz que combate é paliativo

O fenômeno do isolamento em condomínios fechados, longe do movimento da rua é, de fato, uma busca das famílias pela segurança que não existe hoje nos espaços públicos, segundo análise do arquiteto e urbanista Marco Suassuna, professor da Unifacisa, no município de Campina Grande. Essa falta de segurança, segundo ele, é efeito de inúmeras causas, como o desemprego. A cidade – disse – tem inúmeras pessoas excluídas do sistema e a desigualdade social acaba gerando um quadro de insegurança.

“Além disso, a proteção com cercas elétricas é reforçada também pelo mercado imobiliário, empreendimentos de lazer, loteamentos fechados, mas é preciso observar que, ao sair de seu condomínio, esta família está sujeita à insegurança, como qualquer outro cidadão”, analisou. O tempo em que o morador espera a abertura do portão eletrônico, por exemplo, é arriscado e pode ser suficiente para a ocorrência de um assalto. “É um combate paliativo”, afirmou.

Para Suassuna, esse comportamento acaba gerando segregação, transformando condomínios em pequenas cidades. “Isso gera a desertificação das calçadas. Em sua ‘teoria dos olhos da rua’, Jane Jacobs diz que quanto mais olhos na rua e mais movimento de pessoas, maior é a sensação de segurança, o que não significa que não vai ter mais assaltos. Porém, se andarmos a pé na região dos condomínios, não tem ninguém, não tem os ‘olhos da rua’”, explicou.

Quando há padarias, farmácias, mercadinhos nas vias, existem fachadas ativas, animadas. “É preciso investir em educação, geração de emprego e renda. Mas, em relação ao espaço, tem que redesenhar, as fachadas devem estar ativas, com portas abertas”, enfatizou.

“Se observarmos, como exemplo, uma quadra em que as casas são demolidas para construção de prédios, aumenta o número de famílias, mas não há incentivo à ocupação da calçada. Cada um fica no seu feudo. Se colocasse no terreno uma padaria, se contribuiria mais com a sensação de segurança. Ou seja, os condomínios oferecem uma sensação de segurança transitória, até porque muitos têm sido invadidos”, disse.

Problema vem da base

As pessoas podem colocar câmeras na via pública ligadas diretamente às polícias (para ajudar no combate à violência), conforme o urbanista Marco Suassuna. “É preciso entender que não se resolve o problema da segurança sem a base. O sistema capitalista é muito opressor e enquanto não se resolver a questão de fazer com que a cidade seja para todos, sempre haverá cidades segregadas, separadas”, observou.

E exemplificou: “Eu, jovem, venho do interior e vou morar no bairro São José, em João Pessoa. Ao lado, vejo as benfeitorias em Manaíra. Estou desempregado, não estudo, não tenho educação, meus pais não têm condições de me dar bons estudos. Vou enveredar pelo mundo do crime.

Em Medelin, na Colômbia, o urbanismo social foi a saída para reduzir as desigualdades, investindo em áreas mais carentes e reduzindo os índices de violência. Foram pensadas políticas públicas para essa população, garantindo que moradores dos bairros da periferia tivessem acesso a serviços públicos oferecidos nos bairros de classe média.

Seds diz que investe em tecnologia

Nesta gestão, um dos principais investimentos da Secretaria da Segurança e da Defesa Social (Seds) é em tecnologia, com a instalação de três Centros de Comando e Controle, em João Pessoa, Campina Grande e Patos, e a implantação de um Sistema de Videomonitoramento que somam investimentos superiores a R$ 40 milhões na área da Segurança Pública da Paraíba.

Serão 1.500 câmeras instaladas nas regiões metropolitanas de João Pessoa, Campina Grande e Patos, além das divisas com Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará. O investimento segue o que tem sido realizado em vários estados do Brasil e abrange a infraestrutura de armazenamento, link de dados e softwares com inteligência artificial para leitura de placas, reconhecimento facial, entre outras.

Por meio dos órgãos operativos – Polícias Civil e Militar, e Corpo de Bombeiros Militar – a Segurança informou que tem trabalhado de forma estratégica para prevenir e reduzir os índices de violência no estado, em especial os crimes contra a vida e os patrimoniais.

Polícias nas ruas

Com as polícias nas ruas, nos dois primeiros meses deste ano, a Polícia Militar realizou diversas operações para promover mais sensação de segurança às pessoas, a exemplo da Operação Alvorada, logo cedo da manhã, quando as pessoas saem de casa para trabalhar ou estudar, e pôr do sol.

PM diz que está nas ruas por meio de operações (Foto: Divulgação/Secom-PB)

As operações de reforço nos ônibus, ao redor dos comércios e em comunidades continuam, com foco principal na prevenção de roubos, crimes contra a vida e combate ao tráfico de drogas. Além disso, a Polícia Civil também tem focado na repressão qualificada em todo o Estado, com investigações e operações para identificar suspeitos de crimes e integrantes de grupos criminosos.

A Paraíba registrou, durante oito anos consecutivos, redução de assassinatos, segundo o Anuário da Segurança Pública da Paraíba 2019. As duas maiores cidades do estado também tiveram redução nas ocorrências de roubos.

Redução de roubos

João Pessoa – Queda geral foi de 31%, sendo 34% de roubos a pessoa, 6% em estabelecimentos comerciais, 8% em residências e 29% nos casos de roubos em transportes coletivos.

Campina Grande – Redução de crimes contra o patrimônio foi de 17%, com menos 5% de roubos a pessoa, menos 34% de casos em estabelecimentos comerciais, menos 36% de assaltos em residências e menos 53% de casos em transportes coletivos.

2.636 – Foi o número de veículos roubados – carros e motos – recuperados e devolvidos aos proprietários em 2019, no Estado. Pelo bom trabalho, as Polícias da Paraíba aparecem entre as mais bem avaliadas do país, segundo pesquisa da Revista Exame.

*Lucilene Meireles, do Jornal CORREIO

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