Driblando o preconceito, cabeceando a falta de patrocínio e conduzindo de passe em passe seu amor pelo futsal, um grupo de atletas entra em quadra por mais visibilidade e espaço para o esporte. Assim como em outras áreas, as mulheres também tiveram que lutar para ter o simples direito de praticar o esporte. E acredite, até bem pouco tempo, jogar futsal era proibido por lei no Brasil.
“Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza”, alertava o texto do Decreto-Lei 3199 publicado em 1941 e que colocava o futsal na lista dos esportes proibidos para elas. A permissão para a participação do futebol praticado em quadras só viria quase quarenta anos depois, em 1979.
E apenas em 1983, a prática do futsal feminino profissional foi autorizada pela Federação Internacional de Futebol de Salão (FIFUSA). Embora o futebol de quadra seja um dos esportes mais populares e queridos do Brasil, a primeira formação da Seleção Brasileira Feminina de Futsal só aconteceu em 2001 e o primeiro torneio oficial, o I Campeonato Brasileiro de Seleções, em 2002.
A Paraíba ainda está bem atrás quando o assunto é futsal feminino, o estado não possui sequer uma liga profissional da modalidade. As equipes existentes são amadoras, e não por falta de talento ou força de vontade das atletas. Apesar de não existir um levantamento oficial, pelo menos trinta equipes femininas atuam em diversas cidades do estado, é possível encontrar times de futsal feminino do litoral ao sertão paraibano.
Nascido da vontade de duas amigas apaixonadas pela modalidade: Helena Nascimento e Alleyn Maria, o Prime Futsal Clube existe há três anos. Duas vezes na semana, elas reúnem outras quinze meninas para treinar. A equipe é amadora, mas o esforço e o trabalho técnico são profissionais.
Quem acha que futsal feminino é coisa de estudantes com muito tempo livre, está bem enganado. É bastante comum encontrarmos mulheres casadas, profissionais que equilibram uma rotina intensa com o amor pelo esporte. “Ainda convivemos com homens que ainda não superaram que uma mulher pode sim jogar futsal e ser mulher acima de qualquer coisa, temos mulheres independente, mulheres que tem filhos, maridos, trabalhos.”, comentou Helena.
Embora o discurso de empoderamento da atleta seja fruto de direitos já conquistados, na prática, o caminho na luta para ocupar esses espaços ainda é longo. Olhares tortos, o preconceito e os estigmas associados às mulheres que praticam futebol não são surpresa no dia-a-dia dessas atletas. Pelo contrário, essa realidade é quase uma regra para a maioria delas.
Poliana Alves, 26 anos, literalmente vive o futsal. Durante o dia, ela ensina crianças a arte do futebol de salão em um projeto social e à noite, treina na equipe do Prime. Ela lembra que ser uma mulher na modalidade é “enfrentar muitas barreiras, principalmente em busca de visibilidade”, pontua a jogadora.
Outra integrante do time, Daniela Faustino, divide seu tempo como cuidadora e as quadras. Há 13 anos vive o que ela chama de “prazer de estar jogando, e experimentando a alegria que o esporte proporciona”. A pivô nutre o sonho de se tornar uma atleta profissional e torce pelas meninas que estão descobrindo o futsal. “Espero que um dia eu consiga, mas mesmo que o meu desejo não se realize, espero que as novas gerações consigam”, torce a atleta, que joga desde os cinco anos de idade.
Aos 32 anos, Lucilene Firmino Meireles, nascida em Cruz do Espírito Santo, a 25 km de João Pessoa, enfrentou todas as dificuldades típicas de uma atleta mulher que sonha viver do futsal. Hoje, Lu Meireles, mora no Rio de Janeiro e é um dos principais nomes do time feminino do Flamengo. Apesar de ter trocado as quadras pelos gramados, Lu é uma apaixonada pelo futebol de salão. A atacante fala com carinho sobre sua história de amor com o esporte.
Uma trajetória que teve início durante as aulas voluntárias de futsal oferecidas por um projeto social promovido pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), em sua cidade natal. Apesar de ter experimentado outras atividades, o futsal rapidamente virou o esporte preferido daquela garotinha de 12 anos. O interesse rapidamente se transformou em paixão e em muito treino. O porte físico de Lu contribuiu ainda mais para essa adaptação com o esporte e o chute forte que ela tinha assinou de vez o destino promissor que a aguardava. “Foi assim que o futsal foi tomando meu coração. É muito gostoso jogar futsal”, garante Lu.
Ela lembra que o fustal feminino é bastante praticado, mas que no entanto a visibilidade não é a mesma do futebol de campo. O que pode ser explicado pela falta de apoio, patrocínio, espaço na mídia que tem como conseqüência a baixa remuneração para as atletas femininas. Lu é uma prova dessa realidade, apesar de ser apaixonada pelo futsal. Apesar de ter trocado as quadras pelos gramados, em busca de retorno financeiro, o amor pelo futebol de salão continua vivo.
“O fustal me encanta pela sua própria essência. É um esporte que promove um contato maior entre as duas equipes que se enfrentam. Ataque e defesa juntos ali, o tempo todo. É uma dinâmica muito boa. É muito gostoso jogar futsal”, fala, revelando todo seu carinho pelo esporte.
E sempre que pode ou tem uma folga na agenda, Lu Meireles não perde tempo e marca presença nas quadras, mesmo de maneira informal.
Os desafios dessa turma arretada de mulheres não se limitam aos dribles, chutes, recepção, ou estratégias de jogo. As maiores dificuldades estão fora das quadras: o preconceito e a falta de apoio financeiro. “Muitos ainda não aceitam que nós podemos jogar futsal. Já chegaram a olhar pra mim dentro de uma quadra e dizer que eu não deveria estar ali, que meu lugar era casa, lavando roupa ou fazendo qualquer outra atividade. Essas são coisas que a gente escuta, constantemente. Ainda escutamos! Fora ouvir que mulher não sabe joga bola. Infelizmente a gente ainda passa por esse tipo de coisa, mas a gente não deixa de lutar contra isso,” garante Allyen Maria, da comissão técnica do Prime Futsal.
A técnica Helena Nascimento destaca que as dificuldades ficam mais evidentes quando elas tentam organizar algum torneio feminino. “Tudo depende da gente. A gente não tem apoio. Então dentro das nossas possibilidades a gente tenta divulgar e promover o futsal feminino”, explica. Um exemplo disso foi a 3ª Edição do Torneio Prime de Futsal. A competição realizada em janeiro deste ano reuniu mais de 150 participantes distribuídas em 11 equipes, vindas de Santa Rita, Cabedelo, Sapé, Bayeux e outras cidades da Região Metropolitana e até mesmo do interior. O que comprova que atletas não faltam, mas sim estrutura em forma de apoio financeiro.
* Cassiana Ferreira, do Jornal CORREIO