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Mulheres vestidas de luta 

Em artigo, Mirella Braga traça um panorama das históricas lutas feministas brasileiras até os dias atuais

Na maior parte do século XIX, a distribuição dos direitos reconhecidos na sociedade era desigual entre homens e mulheres. O direito político era um monopólio de grupos – só votava quem tivesse base econômica suficiente – e a universalização da cidadania política exigiu muitas lutas. As mulheres constituíam um caso entre aqueles desfavorecidos pela cidadania, pois não colhiam, na mesma medida que os homens, os avanços propostos pelas legislações. 

Os códigos de lei nacionais regulamentavam os papéis sociais desfavorecendo as mulheres, considerando a submissão e a dependência femininas como dados naturais e sempre formalizando atitudes repressivas com relação ao sexo feminino. Durante muitas décadas, as mulheres que trabalhavam fora de casa eram suspeitas de não serem “honestas”, recatadas. Dessa forma, o trabalho remunerado para as mulheres manteve-se por longo tempo reprovado moralmente, pois submetia a mulher a uma condição considerada: “imprópria a seu sexo”. Muitos acreditavam que o trabalho da mulher fora da casa destruiria a família, tornaria os laços familiares mais frouxos e debilitaria a raça (a ideia de raça era algo forte entre os homens). As mulheres deixariam de ser mães dedicadas e esposas carinhosas, caso trabalhassem fora do âmbito de seu lar. 

Dispostas a enfrentar qualquer tipo de barreira imposta pelo preconceito de uma sociedade patriarcal, as mulheres voltam-se os olhares para além das janelas do lar, decidem ir “a luta” e isto se enquadra em compreender os direitos civis e políticos até então barrados para elas. O poder, para o francês Michel Foucault, provém de todas as partes, em cada relação entre um ponto e outro. Essas relações são dinâmicas, móveis, e mantêm ou destroem grandes esquemas de dominação. Essas correlações de poder são relacionais, segundo o autor; se relacionam sempre com inúmeros pontos de resistência que são ao mesmo tempo alvo e apoio, “saliência que permite a preensão”.  

A consciência e circulação de ideias feministas aumentaram no final do século XIX e início do século XX. Inicialmente, estes movimentos feministas questionavam sobre “a moderna função da mulher”, ganhando proporção maior ao longo do século XIX. Eram movimentos feministas que tinham em sua composição mulheres dos estratos médios da sociedade, que sentiam com maior intensidade a privação dos direitos políticos, ficavam excluídas as mulheres das camadas urbanas mais economicamente desfavorecidas. O movimento das mulheres pela luta de direitos civis e políticos fortaleceu-se bastante com o processo de urbanização da população e o aumento da participação da mulher no mundo do trabalho. Aqui no Brasil a luta feminina teve protagonismo ao longo do século XX, sobretudo por volta de 1918, as ações das feministas intensificaram-se, quando Bertha Lutz e um grupo de colaboradoras criaram, no Rio de Janeiro, uma organização chamada Liga para Emancipação Intelectual da Mulher, que posteriormente passou a denominar-se Liga para o Progresso Feminino. Apenas em 1932, com o Decreto n º 21.076, no então Governo do Getúlio Vargas, as mulheres tornaram-se eleitoras efetivas no Brasil. 

Nas últimas décadas, as mulheres deixaram de ser apenas “a figura do lar” e passaram a exercer o papel de “Cidadã Ativa”, com direitos civis e políticos, avançamos mas não recuaremos. Esses direitos conquistados e exercidos plenamente a partir da Constituinte de 1934 foram conquistados com muita luta, sangue e saia. 

No Brasil do século XXI, há um grande jogo de cartas marcadas, uma não paridade na participação política, a figura feminina sempre ocupando espaços pequenos, uma não representatividade, tornando a (in)visibilidade algo que precisamos com compromisso discutir nas nossas rodas de conversa, na mesinha do bar entre os pares, na sala de aula, no trabalho, no nosso ambiente doméstico. Precisamos compreender “a força das saias” para o equilíbrio das propostas para nosso país, para um Brasil mais paritário que de fato afirme que a conquista cidadã ativa é algo concreto e não idealizado. 


Mirella Braga é graduada em História e em Direito, especialista em Direitos Humanos, mestra em Ciências das Religiões e em Antropologia e doutora em Antropologia. Mirella é docente dos cursos de Direito e Serviço Social do Unipê.

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