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‘O amor acaba’ é a nova coluna do professor João Trindade

Não precisa, moça, fazer cara feia e bico de quem está com raiva quando passar por mim; sei que você não está, mas sim, encontra-se apenas magoada.

Não precisa me olhar com cara de assassino, apenas porque matamos um relacionamento que não podia durar.

Não precisa, moça, espalhar brasas, encaracolar o cabelo, virar garota de praia, dormir e acordar ilusões, só porque a realidade chegou. Menti e você mentiu também, moça; enganei e você enganou também.

Mas a verdade é que fui sincero com você; sempre lhe mostrei caminhos honestos por onde percorrer; a vida não é um mar de rosas, conforme diz a secular e bela filosofia brega.

Do brega a Paulo mendes Campos: O amor acaba. Nas ruas, nas praças, nos cemitérios… O amor acaba! E, às vezes, acaba até num sorriso.

Sabe por que moça? Porque tudo começou errado, com mentiras, fingimentos, tentativas de enganar…

Sabe por que, moça? Porque as pessoas são complexas e querem ser donas, sempre donas, daquilo que não lhes pertence. Sabe por que, moça? Porque os sonhos se
despedaçam a cada dia e caem na dura realidade.

Eu, por mim, moça, estou bem, e continuo aqui, trancado nesta casa, sozinho; eu e meus livros – meus únicos amores –, como na personagem wildeana. Eu, por mim, moça, continuo aqui, observando as lagartixas subirem, vagarosamente, a parede, em busca de insetos; as aranhas envolvendo as moscas nas suas teias e guardo comigo o cão de guarda: uma linda caranguejeira.

Ah, ia esquecendo de te dizer: Ontem, comprei um papagaio, mas o bicho me irritou, porque a primeira coisa que fez foi pronunciar teu nome; quem o ensinou, eu, verdadeiramente, não sei.

Foi a vida, moça; foi a vida que me ensinou a aceitar as coisas mais pacificamente; foi a vida, moça, que me fez assim tão seco, tão descrente de tudo; foi a vida, moça, que me fez garatujar mil linhas e não encontrar, ainda, minha estrada.

Mas o que eu queria dizer mesmo, moça, é…

Cuidado com a tua estrada. Você é uma moça muito bonita e não tem necessidade de se perder no vazio de uma existência mentirosa, porque você é, sobretudo, uma pessoa honesta.

E enganar não é direito, moça.

Mas, afinal, entre nós ninguém enganou, nem se enganou. Apenas o amor se acabou. Porque o amor acaba!

(Publicado, originalmente, no extinto jornal “O Momento”, em 16/11/1986).

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