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O poema ‘de Maiakóvski’ que não é de Maiakóvski

Nos anos 70, era muito comum se ver à venda poemas e frases em cartazes de
tamanho grande, confeccionados com papel fotográfico. O mais destacado (e mais
vendido) deles era um que continha um poema que compradores e vendedores
alardeavam, orgulhosos, ser de Maiakóviski.

Quando cheguei a João Pessoa, com 14 anos, fiquei maravilhado com aqueles
poemas e frases espalhados pelas calçadas (o que comprei, achei ali, na esquina do
viaduto velho (Damásio Franca), onde ainda hoje se vendem cds e discos de vinil. É
óbvio que, apesar de estudante pobre, comprei o grande e bonito cartaz com o poema
“de Maiakósvski”, em letras garrafais. Não tinha dinheiro para mandar confeccionar o
quadro, como a maioria fazia; mas valia a pena chegar no colégio e dizer que conhecia a
obra do famoso poeta russo.

Algum tempo depois, já fazendo resenhas literárias para o jornal Correio, tomei
um susto: aquele poema não era de Maiakóvski, mas sim de Eduardo Alves da Costa,
cujo título é “No Caminho com Maiakóvski”. Ainda hoje, há pessoas que não conhecem
essa verdade; tanto que uma amiga, razoavelmente intelectualizada, postou,
recentemente, o poema no Facebook, reafirmando o mesmo mito.

Vamos à passagem do poema que aparecia no cartaz e que, pelo estilo e pelo
momento político por que passava o Brasil (ditadura e protestos), era recitado,
entusiasticamente, em praça pública e manifestações, pelos “militantes” de “esquerda”:

NO CAMINHO COM MAIAKÓVSKI

Eduardo Alves da Costa

Na primeira noite, eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim,
E não dizemos nada.
Na Segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Creio que o poeta carioca (de Niterói) vai morrer “engasgado” com essa
tremenda e injusta peça que a literatura lhe pregou.

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