Moeda: Clima: Marés:
Início Recomendamos

Cannabis: o óleo da esperança ainda é visto com preconceito

“Eu sempre fui ‘careta’ e contra qualquer uso da cannabis, mas tive de repensar meus conceitos e estudar quando vi alguns pacientes graves nas UTIs que melhoravam muito e voltavam a vida após receber o ‘óleo da esperança’”, diz o cirurgião-geral e especialista em terapia intensiva, no estado do Maranhão, Clayton Aragão Magalhães.

Segundo ele, lidar com o uso da planta conhecida popularmente por maconha (Cannabis Sativa) para fins medicinais ainda é um problema dentro da própria medicina, sendo o maior deles a falta de treinamento formal ainda na faculdade. O médico relata ter passado por essa experiência.

“Estudei, li, conheci outros médicos. Confesso, meus primeiros pacientes prescrevi com medo e receio. Mas grata foi a surpresa com a melhora surpreendente dos pacientes. Inclusive pacientes com câncer em tratamento paliativo (sem proposta de tratamento devido doença avançada) que continuam vivos após meses usando o óleo,” explica.

Dr. Clayton Aragão Magalhães (Foto: arquivo pessoal)

Contudo, não se trata apenas do conflito entre os estudiosos. No Brasil, a luta pela utilização de medicamentos à base do canabidiol, ou CBD, atinge desde os que precisam dos remédios até os produtores. Como é o caso da Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace Esperança), que atua na Paraíba com o cultivo da planta para tratamentos desde maio de 2017, quando houve autorização judicial para esta ação.

Os óleos e pomadas derivadas da cannabis que a Abrace desenvolve têm apresentado resultados em pessoas com doenças como epilepsia, crises convulsivas, câncer, infecções e outras. Em setembro, a associação completou três anos com a expectativa de uma nova autorização, a de que o número de pessoas atendidas possa aumentar.

Ultrapassar o atendimento de 800 pessoas para uma meta de 10 mil não tem sido uma tarefa fácil. Já há uma ação tramitando na Justiça que visa expandir o plantio da Abrace de João Pessoa para Campina Grande e consequentemente alcançar mais famílias.

Medicamentos da Abrace atendem pacientes em todo o país (Foto: Chico Martins/Jornal Correio)

Para o diretor de relações públicas da associação, Luciano Lima, a causa ainda não foi ganha por falta de apoio das autoridades e de alguns órgãos competentes, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por exemplo, que seria essencial para atuar no local da plantação.

“Quando a gente entrou com a ação para o cultivo com a Anvisa, tentaram proibir e derrubar a liminar, ano passado, foi conseguido o direito de cultivar e fazer o medicamento, mas eles recolheram de novo”, relata o diretor.

Medicamentos são produzidos e comercializados pela Abrace desde maio de 2017 (Foto: Chico Martins/Jornal Correio)

Ainda de acordo com ele, o não posicionamento favorável ao plantio se dá por falta de conhecimento sobre os benefícios e eficácia da planta. “A gente espera. Por enquanto, esse tem sido o nosso maior desafio,” ele enfatiza.

Ao Portal Correio, a Anvisa declarou que, apesar de não regulamentar o plantio de cannabis em Campina Grande, o tema se encontra em discussão interna na Agência. Por outro lado, a Anvisa já providencia a importação do canabidiol. O passo a passo para conseguir o medicamento está disponível no site oficial.

Conforme a legislação brasileira, além da prescrição médica para uso dos derivados da planta, também é possível ter acesso aos medicamentos com habeas corpus para cultivo domiciliar ou em ONGs. Quanto às importações, a Anvisa destacou que já foram emitidas 6.020 autorizações, enquanto 4.255 pacientes estão cadastrados e aguardam a medicação.

Resultado positivo

“Hoje em dia ainda tem certo preconceito, por causa do nome, quando fala em maconha o pessoal pensa que você é viciado, sendo que tiraram justamente a parte inofensiva”, diz Manoel Pedrosa, de 66 anos.

Ele se refere à parte da planta que é extraída para o oléo que o filho, Romário Júnior, de 25 anos, utiliza. O canabidiol é um dos principais ativos da cannabis, contém até 40% de extratos, sendo a base para quem produz os remédios. O filho de Manoel tem epilepsia e faz parte dos pacientes que notam mudança desde o início da medicação.

“A diferença é que deu uma controlada muito boa, se eu quiser malhar, ou caminhar, fazer alguma força, alguma coisa que eu me prejudique, já que se eu cansar muito eu passo mal”. O pai explica. “É que quando ele tem ‘desligamento’, o sono volta com força”, se referindo às convulsões.

Manoel Pedrosa a esquerda e Romário Júnior a direita. Pai e filho relatam o antes e depois da medicação para o tratamento das convulsões do jovem (Foto: Chico Martins/Jornal Correio)

Romário também esclareceu que percebe a dificuldade para o fácil acesso desses medicamentos à população. “No meu caso não deu muito trabalho, eu passei mal na reunião da Abrace, muita gente na reunião me vendo e eu passei mal. Lembro eu entrando, sentei na cadeira, conversei com uma pessoa e só lembro eu voltando pra casa… Eu passei mal várias vezes na frente do pessoal”.

Ele também abordou sobre as atividades em que a doença costumava interferir, já que, em média, o jovem sofria cerca de quatro a cinco convulsões por dia. “Eu jogava tênis e a dor vinha na área esquerda, era muito forte, eu trabalhei com fotografia e passava mal nas igrejas, às vezes em casamentos, festas infantis… Hoje em dia controlo muito melhor o que quero e preciso fazer”.

(Foto: Chico Martins/Jornal Correio)

Sobre o que pensa da possível expansão do plantio da cannabis na Paraíba, Romário não esconde. “Ajudar mais pessoas!”. O pai, por sua vez, declara. “Foi uma luta muito grande pra eles conseguirem chegar onde estão agora, com o produto na prateleira, com fácil acesso. Quando começou não era fácil, ‘nós’ usamos desde o ano passado e conseguiram chegar a esse ponto, porque isso só se conseguia importando ou contrabandeando.”

Após oito meses utilizando o produto, o filho de Manoel passa cerca de 15 a 20 dias sem os ‘desligamentos’. Além do canabidiol, Romário ainda toma mais dois remédios, de forma específica para o problema. Segundo eles, a luta deve permanecer. Acreditam que conquistar mais acessibilidade aos produtos não se trata de um sonho distante.

Cannabis na medicina

O doutor Clayton Aragão está entre os médicos que prescrevem o oléo da cannabis e explica quais são os benefícios. “É rico em compostos conhecidos como canabinoides e terpenos. Entre os canabinoides temos os principais CBD cannabidiol e THC tetrahidrocanabinol, mas existem muitos outros. O corpo humano apresenta dois tipos de receptores para essas moléculas, receptores CB1 e CB2.”

Conforme ele, ocupar esses receptores com canabinoides influencia de modo positivo a pacientes portadores de algumas doenças, como Alzheimer, de forma a obter ganho cognitivo, progressão mais lenta e proteção do neurônio, Esclerose Lateral Amiotrófica, Esclerose Múltipla, Dores Crônicas, Fibromialgia, Autismo, Parkinson, entre outras.

No caso da epilepsia, todas as formas respondem bem, segundo o médico. Algumas formas graves como Dravet, que antes de usar o cannabidiol crianças de quatro anos morriam com facilidade, hoje apresentam uma vida normal.

Já no câncer, há melhora imunológica, nutricional e nas dores, diminuindo os efeitos da quimioterapia e ganho de peso. “Chega a ser desumano não prescrever cannabidiol a pacientes com câncer. Esses pacientes viveriam mais, viveriam melhor e com menos dores”.

Para finalizar, o médico enfatiza: “A única forma de combater o preconceito é a informação. É impossível acompanhar e observar a melhora importante na qualidade de vida dos pacientes e não se questionar sobre o quanto a sociedade perde com a política atual sobre derivados da cannabis. Ver a vida voltando para um paciente desenganado é incrível”.

 

publicidade
© Copyright 2024. Portal Correio. Todos os direitos reservados.