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Uso de tornozeleira eletrônica é falho na Paraíba

O uso da tornozeleira eletrônica na Paraíba não tem um acompanhamento remoto eficiente. A realidade abre brecha para que os apenados que utilizam o dispositivo voltem a cometer delitos. “Vamos precisar de policiais penais para fazer essa fiscalização efetiva, porque a Polícia Militar apreende após o crime, a Polícia Civil investiga, mas ninguém fiscaliza depois disso”, denunciou Wagner Falcão, presidente da Associação dos Policiais Penais da Paraíba, vice-presidente da Associação Nacional dos Policiais Penais.

A tornozeleira eletrônica é uma tecnologia que veio para ficar, mas existe um vácuo legal, conforme Falcão. “Não temos como manter os presos, então eles ficam com a tornozeleira, mas não há quem fiscalize. Se quebrar, se estiver fora do alcance – sai na sentença a área que o apenado pode transitar -, não há quem vá buscar”, afirmou.

“A fiscalização eletrônica sabe onde ele está, no momento, com a tornozeleira, e necessitaria, à parte, de fiscalização física constante. Se ele cortar a ligação com o ponto eletrônico ou cometer algum crime, não tem uma pessoa próxima a ele que acompanhe fisicamente para inibir”, observou.“A parte física da polícia, a presencial, é importante porque permite acompanhar todos os dias, de forma que eles são vistoriados para ver se estão valorizando o benefício da tornozeleira, dando condições de ter uma vida nova na rua”, acrescentou Falcão.

Polícia Penal

Para dar reforço e atuar em ações que hoje não contam com as equipes habilitadas, foi criada a Polícia Penal. “A gente tem no Estado uma polícia específica que vê a situação das mulheres, mas não é especializada, como nós, na condução e fiscalização de presos. Tem que saber acompanhar para que o preso cumpra a pena até o final”.

Segundo ele, enquanto não houver um número maior de policiais penais, o monitoramento não ocorre como deveria, ou seja, até haver um concurso e a contratação de mais gente, o ‘buraco’ permanece. “E isso não é exclusivo do nosso Estado. É em nível nacional, porque não existem grupos especializados. Foram criados alguns paliativos, mas efetivamente, de visitar as casas, acompanhar no serviço, nos locais que frequenta, isso não existe praticamente no Brasil. Está sendo criado agora. Por isso, há esse vácuo”.

1.761 presos usam tornozeleira eletrônica, na Paraíba atualmente, de acordo com a Gerência Executiva do Sistema Penitenciário (Gesipe). Até agosto de 2019, eram 1.122. Só em João Pessoa, são 625 monitorados e, em Campina Grande, 314.

1.706 policiais penais – os antigos agentes penitenciários – na Paraíba atualmente. Para dar conta de todas as atribuições, seriam necessários, pelo menos mais mil profissionais.

Falta de estrutura no sistema

A falta de estrutura do sistema é o principal entrave para que o dispositivo seja, de fato, uma arma contra a reincidência no crime e uma forma de diminuir a população carcerária.

“A tornozeleira é um método muito bom que foi criado para ter a opção até de diminuir a superlotação nos presídios. Mas, teria que ter equipes de plantão 24h para poder reprimir os desvios”, observou o especialista em Criminologia e Psicologia Criminal, Deusimar Guedes. “Como não existem essas equipes, o sistema fica deficitário em razão da falta de estrutura, dando vazão a esse tipo de falha. Tem sido comum os assaltantes serem presos com a tornozeleira eletrônica”, disse.

“Infelizmente, isso não tem acontecido porque não há estrutura. A cada dia aumenta o número de pessoas com tornozeleiras, que é uma política bem vinda de minimizar a superlotação, mas tem que ter o acompanhamento”, analisou. “O Brasil copiou o modelo de outros países e tentou adaptar. Seria um meio eficiente de manter a vigilância, mas tem muitas falhas ainda”, acrescentou Deusimar Guedes.

Acompanhamento. Especialista diz que se houvesse acompanhamento na hora em que cada apenado saísse de sua área delimitada, seria possível prevenir crimes.

Como funciona

O controle é feito via satélite. Existe um centro de monitoramento e lá, quando há uma quebra do dispositivo ou o apenado sai do raio determinado judicialmente, do campo de localização onde ele pode transitar, é acionado um bip e é aí que está o problema. “A gente não tem um pessoal especializado para ir buscar esse reeducando que se evadiu, que quebrou a tornozeleira ou que saiu do local a que ele era destinado a ficar sendo fiscalizado. Não temos grupamentos específicos e essa é a importância que tem a Polícia Penal nesse momento”, relatou Wagner Falcão.

Serão formados grupos de recaptura para que, no momento em que algum apenado seja dado como foragido, seja feita a fiscalização pelos policiais penais. Elas saem para fiscalizar os monitorados que não podem, por exemplo, estar em locais que envolvam bebida ou próximos a pessoas das quais estejam judicialmente proibidos de estar perto.
“Pensamos em criar essa fiscalização e em ter essa resposta mais adequada para esse tipo de situação, fazendo uma fiscalização mais efetiva da pena, mesmo ele estando fora dos muros. A intenção é fiscalizar efetivamente esse tipo de situação, mas o número de policiais penais hoje não é suficiente”, completou.

O dispositivo. A tornozeleira eletrônica pode ser usada como medida cautelar, evitando a prisão durante o período de investigação, ou mesmo quando já há condenação, evitando a permanência em unidades prisionais. O dispositivo é configurado conforme determinação da Justiça, detectando a movimentação do apenado, se houver tentativa de romper o equipamento e ainda se a bateria – que pode durar até 48 horas – não foi carregada.Funciona através da geolocalização por GPS.

Monitoramento é eficaz, diz Gesipe

A fiscalização dos apenados que usam a tornozeleira eletrônica é feita pelos policiais penais, através de um centro de monitoramento onde é utilizado um software online. De acordo com a Gesipe, é possível prevenir crimes a partir da utilização do dispositivo, já que os monitorados são acompanhados em tempo real em uma central de monitoramento de forma remota.

Ainda segundo a Gerência, existe controle de todos os usuários da tornozeleira e são emitidos relatórios diários. Porém, apesar de informar que o acessório é eficaz, ele ainda não é alternativa para desafogar os presídios superlotados, porque nem todo crime se enquadra no uso da tornozeleira. O trabalho é feito em parceria com o Judiciário e a implantação do equipamento depende de decisão por parte dos magistrados.

A Gesipe assegurou que não existe falta de controle e que são seguidos rígidos procedimentos de acompanhamento do monitorado. “Muitos são presos devido a comunicação das quebras de regras por parte monitoramento ao juiz responsável pelo processo. Vale lembrar, que a tornozeleira não impede que seja cometido um novo crime, entretanto a identificação é bem mais rápida quando se trata de um monitorado que cometeu crime”, destacou Marcel Cantalice, coordenador do Centro de Monitoração por Tornozeleiras Eletrônica (CMTE).

As regras para utilização da tornozeleira eletrônica são impostas pelo judiciário e toda vez que uma regra é quebrada o sistema avisa automaticamente. Conforme a Gesipe, o equipamento é totalmente seguro. Caso o monitorado tente retirar, a central é acionada automaticamente. Os dados dos apenados são analisados diariamente e não há mudanças previstas em relação ao uso do dispositivo na Paraíba.

51.515 era o total de pessoas monitoradas no Brasil em 2017. O número é 180% maior que em 2015, quando cerca de 18 mil usavam o dispositivo no país. Os dados estão no último levantamento sobre monitoração eletrônica no país, elaborado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e foi publicado em 2018.

Descumprimento

De acordo com a Agência Senado, em outubro de 2019 foi aprovado o Projeto de Lei do Senado (PSL) 207/2017, que classifica o descumprimento das regras de uso da tornozeleira eletrônica como falta grave. A consequência é a perda do direito à progressão do regime – de fechado a semiaberto e aberto – e dos benefícios da saída temporária ou prisão domiciliar monitorada. Atualmente, a proposta está na Câmara dos Deputados.

A ementa altera a Lei de Execução Penal para estabelecer que constitui falta grave por parte do condenado a inobservância do perímetro de inclusão estabelecido quando da imposição da medida de monitoração eletrônica.

Estudo da necessidade de vagas

A Secretaria de Administração Penitenciária está ciente da necessidade da contratação de mais policiais penais, segundo Wagner Falcão, presidente da Associação dos Policiais Penais da Paraíba e vice-presidente nacional da Associação Nacional dos Policiais Penais. Ele afirmou, inclusive, que foi iniciado pela Seap um estudo sobre a necessidade de vagas para ser apresentado ao governador.

“Com o advento vão vir outras atribuições, entre elas, tomar o entorno do presídio, as guaritas e fazer grupos de recaptura, acompanhamento, ou seja, tem que ter incremento de pessoal para conseguirmos executar a contento o trabalho, que é de suma importância”, justificou.

Inicialmente, foi solicitado entre mil e 1,4 mil vagas, mas o assunto ainda está em discussão. Hoje, segundo ele, são 700 policiais militares empregados no sistema, mas com a saída da Polícia Militar e o encaminhamento dos policiais penais para assumirem a vigilância das guaritas e do entorno, surge a necessidade de 700 vagas. Somando a este número, mais 700 policiais penais seriam necessários para reforçar o quadro e realizar as novas atribuições.

“Acreditamos que o governador é sensível a esse pleito e que, nesses próximos meses, um assunto que está sendo discutido são as estratégias para o ano de 2020, entre eles, o trabalho que o policial penal vai executar. Está sendo feito o estudo pela Seap e o pedido está no plano estratégico desse ano”, acrescentou.


* Lucilene Meireles, do Jornal CORREIO

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