Versão e poesia
Em criança, enquanto os outros meninos brincavam descalços na rua, correndo, jogando bola, eu ficava dentro de casa, lendo ou brincando, solitariamente.
Sempre fui louco por Rádio. Aproveitando o fato de a mim, ao caçula, quase tudo ser permitido (menos jogar bola!), resolvi, então, montar o “studio” (na época, era pecado falar estúdio) de uma “rádio” num quartinho lá de trás (foi lá que aprendi a gostar de ler).
Meu quartinho era o ideal. “Montei”, então, minha “rádio”.
O microfone era um saleiro, pendurado a um arame que, por sua vez, era pendurado ao telhado. Nas paredes, prateleiras exibindo disquinhos de papel, envoltos em embalagens transparentes de cigarros. Os disquinhos eram conseguidos sobretudo nas capas da revista Contigo, que traziam réplicas perfeitas dos LPs e compactos lançados na época.
Dei muito trabalho à minha mãe, com essa “rádio”. O quarto era empoeirado, cheio de livros; e havia, também, uma caranguejeira grande, para quem eu olhava com muito medo, mas não ousava pedir ajuda a ninguém, sob pena de minha “rádio” ser desmontada.
A minha “rádio” era “perfeita”. Apesar de ter apenas 8 anos, dividia a programação direitinho. A “rádio” tinha noticiários, programas de disk-jóquei, programas de esporte e atendia a muitos ouvintes imaginários.
Foi na minha “rádio” que descobri Rossini Pinto (um grande injustiçado pelos que historiam a Jovem Guarda) e ainda hoje sou fã incondicional dele. Rossini foi, sem dúvida, o maior versionista do Brasil.
Naquela época, as rádios anunciavam, após a execução da música, o nome e o autor. Caso fosse versão, o locutor dizia: “versão, fulano de tal”. Quem da minha geração não se lembra de o locutor dizendo: “versão, Rossini Pinto”)?
Pois até hoje amo as versões de Rossini, que, na verdade, não fazia versões; compunha verdadeiros poemas.
Engana-se quem pensa que versão tem a obrigação de manter o original. Versão é diferente de tradução; é um outro texto; e, dependendo de quem faz, um outro poema. Em verdade, quem faz versão para música cria um novo texto, baseado nas proximidades do som da música original; e, repito, dependendo de quem compõe a versão, é um verdadeiro poema.
Pois vou lhes mostrar, leitores, uma obra prima de Rossini, que transformou uma letra paupérrima e sem poesia (desculpem os fãs dos criadores originais; não sei quem é ou quem são; sei que o sucesso é de The Hollies) numa das mais belas letras que conheço: “Pensando Nela”, versão de “Bus Stop” imortalizada pelos Golden Boys:
Pensando Nela
(Versão: Rossini Pinto)
Tarde fria, chuva fina
E ela a esperar
Condução pra ir embora
Mas sem encontrar.
Um problema de aparente
E fácil solução
Eu lhe ofereci ajuda
E dei meu coração.
Toda vez que chove eu me lembro
Da garota quase sonho
Que me deu tanta emoção.
E ao lembrar eu sinto novamente
Seu perfume envolvente
Que me aperta o coração.
Eu a encontrei e logo
Me apaixonei
A semana inteira nela
Muito eu pensei.
Foi amor eu sei não nego
Eu não sou assim
Vivo só pensando nela
Que nem ligou pra mim.
Agora, comparem com a tradução* do original:
Parada de ônibus
Ponto de ônibus, dia chuvoso
Lá está ela, eu disse
por favor divida comigo meu guarda-chuva
Parada de ônibus, o ônibus se foi
Ela ficou, o amor nasceu
Debaixo do meu guarda-chuva.
O verão todo nós aproveitamos ele
Vento e chuva e luz
Aquele guarda-chuva, nós o usamos
Em agosto, ela era minha.
Toda manhã eu a via
Esperando na parada
As vezes ela tinha ido fazer compras
E me mostrava o que havia comprado
As pessoas nos olhavam
Como se estivéssemos loucos
Algum dia meu nome e o dela
Serão iguais.
Foi desse jeito que a coisa toda começou
Inocente mas verdadeiro
Pensando em um doce romance
Começando em uma fila.
Veio o sol o gelo estava derretendo
Sem mais abrigo agora
É engraçado pensar que aquele guarda-chuva
Guiou-me para uma promessa.
Toda manhã eu a via
Esperando na parada
As vezes ela tinha ido fazer compras
E me mostrava o que havia comprado
As pessoas nos olhavam
Como se estivéssemos loucos
Algum dia meu nome e o dela
Serão iguais.
Ponto de ônibus, dia chuvoso
Lá está ela, eu disse
Por favor divida comigo meu guarda-chuva
Parada de ônibus, o ônibus se foi
Ela ficou, o amor nasceu
Debaixo do meu guarda-chuva.
O verão todo nós aproveitamos ele
Vento e chuva e luz
Aquele guarda-chuva, nós o usamos
Em agosto, ela era minha.
(Tradução: https://www.vagalume.com.br/the-hollies/bus-stop-traducao.html).
Precisa dizer mais alguma coisa?