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Direitos reprodutivos e sexuais das mulheres: vamos falar de liberdade?

Por Mirella Braga*

Sempre no mês de março significamos (ainda mais) a luta feminina. Importante saber que essa luta é uma constante. É necessário continuar e ampliar o movimento para igualdade de direitos, para que as escolhas sejam uma realidade universal, e assim os direitos das mulheres sejam expressamente respeitados, desde sua sexualidade à reprodução, sem imaginar retroceder a uma época em que mulheres tinham invisibilidade nas decisões reprodutivas e nas demais áreas de suas vidas.

Vale salientar que nessa universalização de direitos, homens e mulheres, há um texto marcadamente importante, a virada de chave de todo um processo histórico-social, em 1948, com a participação de “um olhar feminino”, da então presidente da Comissão das Nações Unidas, Eleonor Roosevelt; nesse novo documento havia detalhes acerca da importância da liberdade e da igualdade como direitos fundamentais, incluindo a não-discriminação em relação ao gênero. Essa foi a chave de muitas mudanças.

Nos anos seguintes as mulheres começaram a se organizar em movimentos pela luta por emancipação política e social e do combate à violação de direitos humanos. Anos depois, a partir de 1960 precisamente, as mulheres buscavam o direito ao planejamento familiar e à igualdade nos relacionamentos, especialmente no casamento e na criação das/os filhas/os, algo que ocorreu de forma processual anos depois. É importante destacar que no Brasil, sociedade marcada pela ideia do patriarcado, do controle masculino nos espaços públicos e privados, as conquistas femininas são travadas por anos, a exemplo do fato das mulheres conquistarem o direito ao divórcio de forma tardia, em 1977, através do decreto 6.515/1977, logo, as mudanças inseridas na sociedade brasileira surgem com maior celeridade a partir do marco do divórcio. Muitas consequências do poder do patriarcado são marcadamente impostas às mulheres ao longo dos anos.

Conhecer os direitos reprodutivos das mulheres é compreender o conjunto de direitos que garantem às mulheres o controle sobre suas próprias decisões reprodutivas, incluindo escolhas relacionadas à contracepção, gravidez, ao parto seguro e planejamento familiar. “Os direitos reprodutivos abrangem certos direitos humanos já reconhecidos em leis nacionais, em documentos internacionais sobre direitos humanos, em outros documentos consensuais. Esses direitos se ancoram no reconhecimento do direito básico de todo casal e de todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos e de ter a informação e os meios de assim o fazer, e o direito de gozar do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva. Inclui também seu direito de tomar decisões sobre a reprodução, livre de discriminação, coerção ou violência.” (Capítulo VII, parágrafo 7.3, da Plataforma de Ação do Cairo de 1994). Cabe destacar que estes direitos são fundamentais para garantir a autonomia das mulheres sobre seus corpos e vidas.

Menciono ainda que a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu que a orientação sexual e a identidade de gênero como direitos protegidos pela Convenção Americana de Direitos Humanos, cabendo ao Estado protegê-los de qualquer ato ou prática discriminatória. Assim, os Estados devem respeitar e garantir a todas as pessoas a possibilidade de alterar ou adequar seu nome e os demais componentes essenciais de sua identidade sem interferência por parte de autoridades públicas ou de terceiros, incluindo nesse ponto a desnecessidade de realização de cirurgia (Opinião Consultiva n. 24, de 24 de novembro de 2017). E por que mencionar essa decisão é importante? Na verdade, é fundamental a compreensão do avanço do reconhecimento dos direitos da população LGBTQIAP+, embora tardio irei concordar, conquistado processualmente, mas não menos importante salientar que envolve assegurar a liberdade de identidade de gênero, livre orientação sexual e reconhecimento da transgeneridade, compondo a máxima de termos uma sociedade sem discriminação.

Discutir acerca dos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres compreende pensar desde a Contracepção até discussão acerca da educação sexual. Na Contracepção as mulheres têm o direito de escolher métodos contraceptivos que se alinhem com suas necessidades e preferências. No Planejamento Familiar, as mulheres têm o direito de decidir o número de filhos que desejam ter e quando desejam tê-los, e ainda mais, se querem tê-los. Aqui no Brasil, através da mudança na Lei da Laqueadura (14.443/2022), podemos perceber o planejamento familiar como algo “pertencente” às mulheres, as mudanças que promoveram a redução da idade mínima para a esterilização voluntária, a liberação para pessoas sem filhos (com a idade mínima, 21 anos e não mais 25 anos) e agora a não mais exigência do consentimento por parte do parceiro ampliaram os direitos femininos. Quanto ao aborto Seguro e Legal, questão de saúde pública mundial, parte essencial dos direitos reprodutivos. As mulheres devem ter acesso a serviços de aborto seguro quando necessário, de acordo com as leis locais. Qualquer forma de coerção reprodutiva é uma violação dos direitos humanos, vale o destaque.

Falar em direitos reprodutivos para as mulheres é também pensar nos cuidados Pré-natais, quanto ao acompanhamento da gestante durante a gravidez, a fim de diminuir os elevados números de mortes femininas. As mulheres têm o direito de receber cuidados de saúde durante a gravidez, parto e pós-parto. Isso inclui acesso a informações, exames pré-natais, atendimento obstétrico qualificado e cuidados pós-natais. Há também a importância da educação Sexual, crucial para garantir que as mulheres estejam bem informadas sobre seu próprio corpo, saúde reprodutiva e opções disponíveis. Evitando estigmas e protegendo as mulheres. O Acesso Universal à Saúde Reprodutiva é fundamental para garantir que todas as mulheres possam exercer plenamente seus direitos reprodutivos.

Por fim, cabe destacar que o serviço de saúde deve estar estruturado para acolher a vítima de violência sexual e, mediante os procedimentos adequados, formar o convencimento sobre a sua ocorrência. A palavra da vítima de crime sexual que busca assistência médica deve ser recebida com presunção de veracidade pelo serviço de saúde, pois não se deve confundir os objetivos de assistência à mulher com os objetivos da justiça criminal; nesse tema o Brasil constituiu a lei nº 12.845, de 1º de Agosto de 2013, Lei do Minuto Seguinte, dispondo sobre o atendimento obrigatório e integral de vítimas de violência sexual.

Esses direitos que elencamos aqui são reconhecidos internacionalmente e são fundamentais para promover a igualdade de gênero e o respeito pelos direitos humanos das mulheres em todo o mundo. No entanto, a implementação efetiva desses direitos pode variar de acordo com as leis e políticas em diferentes países.

Que façamos do mês de março um mês reflexivo acerca dos direitos das mulheres como um todo, sejam eles reprodutivos, sexuais, laborais, direito de ser sujeito com voz e vez, o direito de viver uma vida livre de violência.


*Mirella Braga é graduada em História e em Direito, especialista em Direitos Humanos, mestra em Serviço Social e em Antropologia e doutora em Antropologia. Mirella é docente do curso de Direito do Unipê.

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