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Especialistas divergem sobre benefício a Bolsonaro em projeto que altera Lei da Ficha Limpa

Já aprovado pela Câmara, texto aguarda análise do plenário do Senado; ex-presidente está inelegível até 2030
Bolsonaro
Jair Bolsonaro (Foto: Isac Nóbrega/PR)

Aguardando deliberação do plenário do Senado, um projeto de lei, que altera a Lei da Ficha Limpa, gera divergência entre especialistas quanto a possibilidade de benefício ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em 2023, o ex-mandatário se tornou inelegível por oito anos.

O texto foi aprovado pela Câmara e pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado. A equipe do relator da proposta, senador Weverton Rocha (PDT-MA), considera que o projeto possa ser aprovado ainda este ano. Se não houver ajustes no Senado, o texto segue para a sanção presidencial.

Bolsonaro foi condenado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por prática de abuso de poder político. O caso se refere à reunião que ele fez com embaixadores para questionar as urnas eletrônicas, em 2022.

Além disso, ele foi condenado por abuso de poder econômico pelo uso eleitoral das comemorações do Bicentenário da Independência, em 7 de setembro de 2022.

Em resumo, o projeto prevê que o período de inelegibilidade permaneça em oito anos, mas que o prazo comece a contar a partir da condenação do político.

Atualmente, o prazo conta depois do cumprimento da pena. A alteração diminuiria o período do político longe das urnas.

A dúvida sobre se a preposição poderia beneficiar Bolsonaro está em uma emenda mantida pelo relator. O trecho altera os casos em que a Justiça Eleitoral pode condenar políticos à inelegibilidade.

A brecha fala que a perda do direito político só poderá ocorrer quando o condenado por abuso de poder econômico ou político usar de comportamentos que possam “implicar a cassação de registros, de diplomas ou de mandatos”.

Bolsonaro não teve o registro de candidatura cassada e também não perdeu o diploma nem o mandato. A cassação só não ocorreu pelo fato de a “chapa beneficiária das condutas abusivas não ter sido eleita”, conforme o TSE.

Idealizador da Lei da Ficha Limpa, o advogado Márlon Reis acredita que a proposição beneficiaria o ex-presidente, pois o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que a inelegibilidade “não é pena” e que, por isso, pode se “submeter ao princípio da retroatividade”.

Caso isso ocorra, não seria automaticamente. A defesa precisaria solicitar uma nova análise no caso diante das mudanças na lei.

Ao R7, o advogado criminalista Thiago Minagé discordou. Conforme ele, além da proposta não se encaixar nas condutas atribuídas a Bolsonaro, ela não menciona alteração ou redução do tempo de inelegibilidade.

“A emenda tenta, apenas, evitar repetição dos termos e não condicionar a inelegibilidade a ‘cassação de registros, diplomas ou mandatos’”, contou.

“Seria benéfico a ele e qualquer outro se a inelegibilidade ficasse condicionada cassação de registros, diplomas ou mandatos. Não consegui perceber isso no texto”, explicou.

Especialista em direito constitucional, o advogado e professor Rubens Beçak alega que a defesa de Bolsonaro poderá, se o texto for sancionado, tentar anular as condenações dele, isso porque o ex-presidente não teve o registro cassado.

Antes, contudo, o advogado acredita que o projeto da anistia aos presos do 8 de janeiro, que pode alcançar Bolsonaro, deve ter maior celeridade.

Para o advogado Admar Gonzaga, ex-ministro do TSE, caso o projeto beneficie Bolsonaro, seria o efeito natural da nova legislação, que tem de ser aplicada a todos, sem “fulanizar”.

“Se beneficiar, vai ter que beneficiar outras pessoas também”, explicou. “Existe um Parlamento, que tem um número considerável de pessoas que talvez tenham notado que aquela legislação para a conduta apontada a ele [sic] é exagerada”, continuou.

Aliado de Bolsonaro, o senador Jorge Seif (PL-SC) também acredita que a proposição beneficie o ex-mandatário. Ao R7, ele explicou que, atualmente, a lei que o projeto busca alterar, prevê a inelegibilidade para abusos de poder político ou econômico.

“O PLP sugere que essa punição só seja aplicada a ‘comportamentos graves’ que justifiquem cassação de mandato. Isso poderia permitir que Bolsonaro, cuja inelegibilidade se deu sem cassação, pleiteasse a reversão de sua condição de inelegível”, contou Seif.

“Sim, [o projeto] poderá colaborar com a defesa do presidente, visto que o crime de opinião não é previsto no código penal e a manifestação de preocupação com as urnas eletrônicas é uma crítica recorrente dos políticos de todos os espectros e partidos de todas as cores e ideologias”, continuou.

Entenda o projeto

A proposta ainda estabelece o período máximo de 12 anos para a inelegibilidade. Além disso, determina ser preciso comprovar o dolo quando o político cometer atos de improbidade e aumenta de quatro para seis meses o período de desincompatibilização de candidatos que são integrantes do Ministério Público, da Defensoria Pública, militares e policiais.

Os especialistas também divergem quanto ao principal mérito do texto. Gonzaga acredita que a proposição “corrige uma distorção”, uma vez que a inelegibilidade contada depois do cumprimento da pena se torna uma pena de “caráter perpétuo”. “Uma inelegibilidade de mais oito anos após o cumprimento da pena aumenta uma parte da condenação em mais tantos anos”, explicou.

Já Beçak, considera que a ideia da Lei da Ficha Limpa é, justamente, que políticos envolvidos em corrupção sejam impedidos de se candidatar. “Nas eleições, temos que privilegiar pessoas que tenham um passado ilibado do ponto de vista de condenações”, explicou.

Já para o advogado Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral, a proposta representa uma “mitigação” e um “enfraquecimento” dos efeitos da Lei da Ficha Limpa. De acordo com Rollo, o grande “problema” motivador do projeto é que, muitas vezes, o processo judicial ao qual o político responde “demora muito”.

“Mas eles mesmo recorrem”, continuou. “Então, tem um processo que demora cinco, seis ou oito para terminar e vai cumprir a pena e, depois, vai contar os oito anos de inelegibilidade”, observou o advogado. “Então, pode ser que um político fique 20 anos fora do processo eleitoral, mas não é alguém que é inocente, é alguém que foi julgado e condenado pela Justiça. Se ele ficar 20 anos [longe] do processo eleitoral, paciência”, completou.

No início de outubro, quando o plenário do Senado adiou a votação da proposta, senadores discordaram sobre o texto. Petista, o senador Humberto Costa (PE) classificou a proposição como uma “desconstituição” para “beneficiar” terceiros. Na Câmara, porém, o relator da proposta foi o deputado Rubens Pereira Jr., filiado ao PT-MA.

Apesar de destacar pontos positivos da proposta, o senador Sergio Moro (União-PR) disse que o texto não pode beneficiar políticos condenados criminalmente por crimes na administração pública.

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