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Feminicídio: O que está por trás e a origem das armas

Em três casos recentes que envolvem feminicídio na Paraíba, a polícia ainda não sabe informar de onde vieram as armas de fogo usadas nos crimes. Os casos ocorreram na última semana, de 14 a 20 de abril, e resultaram em quatro mulheres mortas, três delas por arma de fogo. Em dez anos, mais de mil mulheres foram mortas na Paraíba. Além de ir em busca do andamento das investigações, o Portal Correio também traz a análise de especialistas sobre o feminicídio. Acompanhe abaixo.

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Conforme as delegacias de Homicídio de João Pessoa e de Campina Grande e Seccional de Sousa, onde os crimes aconteceram, os casos ainda são investigados, mas a princípio, não foi confirmado se algum dos suspeitos tinha porte ou posse de arma legalizada.

Na sexta-feira (19), ocorreu um crime no qual o namorado de uma agricultora é suspeito de tê-la matado com um tiro na cabeça, na Zona Rural de Sousa. Ele ainda está foragido e a prisão temporária foi requerida pela Polícia Civil. O delegado à frente do caso, Ilamilton Simplício, falou sobre a dificuldade de identificar a origem dessas armas e enfatizou que muitas vezes são conseguidas de forma ilegal.

“Imagina-se que a arma era dele, porque ele já responde a um processo anterior. Essa questão da arma fica difícil saber por enquanto. A arma vai para perícia e depois vai ser investigada a origem, se é registrada ou não. Isso acontece após ela voltar da perícia, quando o delegado dos Grupos Táticos Especiais (GTE) vai pesquisar a origem dela, mas é muito difícil identificar, uma vez que esse pessoal costuma comprar essas armas no mercado clandestino”.

Já com relação ao caso que ocorreu na quinta-feira (18) em João Pessoa, no qual o gerente de uma concessionária de veículos, no bairro da Torre, disparou três tiros contra a ex-companheira e logo depois se matou, o delegado à frente do caso, Giovani Giacomelli, disse ao Portal Correio que ainda não há informações sobre a arma e restam pendentes muitas perícias acerca desse caso. Segundo ele, a investigação está apenas começando.

Crime aconteceu no bairro da Torre (Foto: reprodução/Instagram Bayeux Jovem)

Em Campina Grande, na segunda-feira (15), a secretária da Educação de Boa Vista, Dayse Alves, foi morta a tiros pelo marido, Aderlon Bezerra de Souza, em um motel de Campina Grande. Após o crime, ele se matou. A delegada, Nercília Dantas, também disse ao Portal Correio que a polícia ainda desconhece a origem da arma utilizada.

Policia

Aderlon matou Dayse e depois cometeu suicídio (Foto: Divulgação)

A Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana (SEMDH) chegou a divulgar uma nota, na tarde do sábado (20), na qual lamenta os quatro casos de feminicídio registrados na última semana. No quarto caso o homem foi preso na manhã de sexta-feira (19) suspeito de matar a companheira a facadas e deixar o corpo dela em uma construção abandonada no bairro de Mangabeira, Zona Sul de João Pessoa.

Posse de armas

Em decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, no dia 15 de janeiro, durante cerimônia no Palácio do Planalto, há regulamentação do registro de posse e a comercialização de armas de fogo no país. A TV Correio foi às ruas saber o que a população de João Pessoa acha sobre a decisão, e o tema se mostrou divisor de opiniões.

O que está por trás do feminicídio

Machismo, histórico de violência e cultura social de desigualdade são apontados pela psicóloga do Hapvida em João Pessoa, Joyce Pontes, como os principais fatores para a prática de feminicídio. A saída para combater essa prática, segundo destaca, está na educação dentro de casa e na escola, com lições de igualdade de gênero.

“Infelizmente ocorre do agressor ou, até mesmo, a vítima vir de um lar violento e desrespeitoso, onde muitas vezes acaba presenciando a mãe ser agredida pelo pai, ou existe uma cultura machista, neutralizando, assim, o conceito de violência contra a mulher”, explica.

Cultura social

Outro fator que contribui para ampliação desses episódios de violência, segundo a especialista, está intimamente ligado à cultura social do povo brasileiro, que tende colocar a figura feminina como uma espécie de anexo de propriedade do homem, um objeto de prazer do qual se tem posse.

“Existem crenças que são impostas, como a ideia que o papel da mulher é estar ao lado do homem independentemente da situação e, caso ocorra o contrário, há uma hostilização social, fazendo com que a mulher se enxergue como incompleta e, dependendo do contexto do indivíduo, essas situações podem acabar reforçando a probabilidade da existência desses casos”, pontua a psicóloga.

Ela explica que o feminicídio é um tipo de crime de ódio que tem por base a questão de desigualdade de gênero, que resulta no assassinato da mulher. Contudo, distúrbios psicológicos também podem estar entre as causas que levam o indivíduo a praticar crimes de violência contra mulher. Mas, segundo informa Joyce Pontes, cada caso deve ser avaliado de forma individual.

“Existem alguns fatores que podem estar associados como o histórico de vida do indivíduo, tendo ele comportamentos violentos com a mulher, filhos, outros familiares e até pessoas próximas. O fato de o indivíduo ter algum tipo de patologia mental pode também estar relacionado, assim como o uso excessivo de álcool e drogas. Não necessariamente todos os casos teriam relação, vai depender muito do contexto”, explica.

‘Nem tudo está perdido’

A especialista afirma que nem tudo está perdido e que a educação, seja no ambiente familiar ou escolar, pode contribuir para formação de homens que fujam das estatísticas de agressores de mulheres. “Costumo dizer que a educação por meio do diálogo é a maior aliada para todos os casos. É importante que a conversa no intuito de minimizar os casos de feminicídio devem ocorrer desde cedo, sendo ela voltada para coletividade, o respeito e a igualdade de gênero”, afirma.

No âmbito escolar, Joyce destaca a importância da criação de programas de conscientização dos papéis e direitos do indivíduo na sociedade. “Ações educativas que visam fortalecer a autonomia das mulheres – no caso de violência contra a mulher –, que tanto pode ser física, como verbal e também psicológica; mostrando como denunciar, procurar ajuda e quais os serviços disponíveis; esclarecendo como funciona a Lei Maria da Penha e, principalmente, alertando estes alunos sobre a diferença entre amor e ciúme excessivo, que é o sentimento de posse”, destaca a especialista.

A psicóloga explica, ainda, que existe a possibilidade de o agressor voltar a não cometer crimes. Porém, para que isso ocorra, o indivíduo precisa assumir e reconhecer o erro. Além disso, deve partir dele o desejo de mudança. “Nesses casos o sujeito pode contar com uma ajuda terapêutica que pode intervir no sentido de desmitificar e desnaturalizar o ato de violência e, dependendo do contexto, trabalhando as possíveis causas”, esclarece.

Subnotificação

Para a professora de direito penal da Unifacisa, Sabrinna Cavalcanti, há dois pontos a serem notados no aumento dos casos de feminicídio: a tipificação “femincídio”, adotada em 2015 para diferir os tipos de homicídios praticados contra mulheres, e a volta de ideais conservadores e machistas, que oprime o sexo feminino de buscar igualdade de direitos na sociedade.

“Um dos fatores é o próprio conceito de feminicídio, pois muitas mortes causadas por violência doméstica não chegavam à estatística. Mas também destaco a volta do discurso conservador, que busca fazer com que a mulher se mantenha restrita ao ambiente doméstico. Isso vai contra a evolução que ocorreu na luta pelo direito das mulheres. Esse conflito, muitas vezes, acaba em morte”, explica Sabrinna.

A professora orienta as vítimas a não temerem a busca por ajuda nas delegacias caso sofram algum tipo de violência. “A agressão é precedida por xingamento, humilhação e violência psicológica. As mulheres, caso percebam que são vítimas, devem se resguardar, ir à Justiça e buscar seus direitos”, diz.

Além disso, Sabrinna destaca a importância de um trabalho de prevenção com crianças e adolescentes nas escolas. “Para que meninos e meninas entendam que ser homem de verdade é não maltratar e nem desprezar as mulheres. E para as garotas se tornarem mulheres com a autoestima preservada e sabendo que são capazes de tudo, com deveres e direitos iguais a todos”, completa a professora.

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