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Redução da maioridade não traz soluções, dizem especialistas

Segundo o artigo 228 da Constituição Federal de 1988, o artigo 27 do Código Penal, e o 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) a maioridade penal no Brasil ocorre aos 18 anos. Os artigos são um dos maiores divisores de opiniões entre os brasileiros, uma vez que há quem defenda a redução da maioridade, e também quem acredite que isso não mudaria o cenário dos jovens brasileiros envolvidos em crimes.

Recentemente, na Paraíba, o caso dos adolescentes que estão respondendo judicialmente pela suspeita da pratica de estupro a crianças em uma escola particular de João Pessoa, trouxe espanto à população. Logo, o tema da maioridade penal tende a ser questionado.

Sobre a Lei

O juiz da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Campina Grande, Algacyr Rodrigues Negromonte, esclareceu que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) recomenda que os adolescentes que praticam atos infracionais correspondem aos crimes e contravenções penais previstas no Código Penal e Lei das Contravenções Penais.

Ele coloca que, de modo geral, toda lei pode ser modificada total ou parcialmente, visando atender a evolução social, o que se aplica também à redução da Lei da Maioridade. No Congresso Nacional já tramita o Projeto de Lei com esse intuito, sendo a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 33/2012, que estabelece a redução de 18 para 16 anos.

“Trata-se de matéria de alta complexidade a exigir um olhar mais atento por parte dos legisladores e da sociedade. A simples redução da maioridade penal, por si só, não resolve o problema. A maioria dos infratores estão fora da escola, fazem uso e tráfico de drogas, em famílias desestruturadas. A sociedade deve se envolver na problemática,” disse o juiz.

Para ele, quando se trata de estupro praticado por um menor cuja vítima seja outro menor, ambos, agressor e vítima, devem ser acompanhados do ponto de vista psicológico. O que já ocorre com adolescentes internos por fato semelhante a estupro, ou qualquer outro ato infracional, eles recebem, segundo o juiz, atendimento psicológico no Lar do Garoto, em Campina Grande, por exemplo. As vítimas são encaminhadas juntamente com os pais para atendimentos nos Centros de Atenção Psicossociais dos municípios.

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Centro Educacional do Adolescente (CEA), em João Pessoa, onde jovens passam por ressociacialização (Foto: Reprodução/Google Street View)

“No que tange ao processo de ressocialização todo jovem internado é acompanhado por psicólogos, assistentes sociais e pedagogos. Além disso, durante a permanência no Lar do Garoto eles estudam, fazem alguns cursos profissionalizantes, atividades esportivas e religiosas, têm visitas regulares dos familiares. Esse processo ressocializador submete o jovem a avaliações semestrais pela equipe multiprofissional de psicólogos, assistentes sociais e pedagogos,” esclarece.

Ainda de acordo com ele, a lei é cumprida de forma que os direitos desses jovens são prezados quando tudo está condizendo com bons resultados. “Os relatórios são encaminhados ao Ministério Público que também emite parecer acerca dos casos, uma vez que todos estejam favoráveis, o jovem é liberado, encaminhado à família, visando assegurar-lhe o direito à convivência familiar e comunitária,” enfatizou.

Estupro e a psicologia

Para a psicóloga e palestrante paraibana Laís Loureiro, embora a fase da adolescência se aproxime da fase adulta, ainda é um momento na vida do indivíduo que geralmente é mais impulsivo, ele age pela emoção e não consegue medir as consequências dos atos. A falta de maturidade pode então levá-lo a cometer atos sem pensar no sofrimento do outro e nas consequências.

Conforme a profissional, a busca pelo prazer ou a necessidade de aliviar desprazeres como tristeza, raiva e frustração pode ser responsável pelo que motiva um jovem a cometer crimes. “Nesse estado, eles têm pouca empatia e isso pode impulsionar a cometer crimes de estupro sem conseguir pensar nos danos causados ao próximo. Alguns motivos como lar desestruturado, falta de atenção dos pais, abuso de drogas e abuso sexual podem levar um jovem a cometer abuso sexual,” enfatizou.

Jovens acusados de estupro nem sempre são pedófilos

De acordo com a psicóloga, nem todo abuso sexual praticado por menor de idade é considerado pedofilia. Para avaliar se o interesse sexual ou o envolvimento entre duas pessoas é considerado um transtorno de pedofilia é necessário levar em conta a idade das pessoas envolvidas.

Em sociedades ocidentais, um transtorno de pedofilia requer que a pessoa tenha 16 anos de idade ou mais e, no mínimo, cinco anos a mais que a criança que é o objeto de fantasias ou atividade sexual.

Para considerar pedofilia seus atos devem estar relacionados à fantasia envolvendo crianças. Caso seja um fato isolado de abuso sexual, não é o suficiente para diagnosticar como pedofilia em alguns casos.

“Caso o jovem de fato sofra do transtorno de pedofilia ou parafilia, ele pode voltar a cometer os atos mesmo passando por medidas socioeducacionais, entretanto, caso haja um tratamento eficaz com participação de psiquiatra e psicólogo, é possível que haja modificação no comportamento e seja desenvolvido habilidades comportamentais/sociais para lidar com a doença, buscando reduzir e amenizar sua prática,” desenvolveu.

Laís explica que o simples aprisionamento, ainda que por um longo prazo, não altera os desejos nem as fantasias dos pedófilos. No entanto, alguns pedófilos presos submetidos a tratamento de longo prazo e monitorados (geralmente com o uso de medicamentos) podem deixar de praticar a atividade pedófila e serem reintegrados à sociedade.

Inicialmente o reconhecimento de que necessita de ajuda e a busca voluntária por essa ajuda é de grande importância para o tratamento, visando que a pessoa não volte a cometer abusos sexuais relacionados a crianças.

“Por se tratar de um transtorno, acredito que alterar a maioridade penal não terá efeito na redução de abusos sexuais envolvendo menores, visto que vai além de um ato relacionado a um comportamento negativo. Há questões neuroquímicas envolvidas que necessitam de tratamento medicamentoso para que haja controle.”

A percepção da sociedade

Ela acredita, por fim, que o Brasil tem um trabalho socioeducativo fragilizado nas prisões devido à falta de profissionais nesses ambientes e devido à alta demanda de apenados, o que torna a convivência do jovem com pessoas que cometeram outros delitos sem a assistência adequada, podendo prejudicar a parte psicológica de quem já tem particularidades a serem tratadas.

A conselheira Tutelar de Campina Grande Lana Menezes acredita que a redução da maioridade penal não resolve os conflitos que cercam o tema. Segundo ela, as medidas socioeducativas não são cumpridas na integralidade, mas ela diz acompanhar o que o estatuto estabelece, e que não é necessariamente oferecido pelo Estado.

“O adolescente cumpre a medida mais severa, eles não tem dentro da socioeducação tudo aquilo que o estatuto prevê, nem o Estado oferece o que é necessário. Quando ele sai, a sociedade não o absorve como sujeito de direito que esteve cumprindo medida e está liberado pra conviver em sociedade normalmente,” disse Lana.

Maioridade

Especialistas entendem que sociedade vê jovens como eterno infratores e não dão oportunidades para ele recomeçar. Na imagem, crianças e adolescentes trabalhando nas ruas de João Pessoa (Foto: Reprodução/TV Correio)

“Pelo o que já observei em alguns casos, os adolescentes que saem precisam de estrutura familiar e de que a própria sociedade não seja tão excludente. Fica então a questão, cada um que se pergunte: como estou tratando o adolescente que saiu? Eu estou dando oportunidade e novos horizontes para esse jovem, ou estou o rotulando de que ele é um menor infrator para sempre?”, questionou.

Ainda conforme a conselheira, uma vez que a sociedade rotula o jovem de ‘menor infrator para sempre’ ele não tem oportunidade e aí surge a maior probabilidade dele não se adaptar à sociedade novamente. “A questão externa é tão conflitante quanto a interna. É muito gritante e preocupante. A sociedade tem dificuldades, sim, para absolver que o jovem pode superar crimes passados,” finalizou.

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