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‘UEPB forma na gambiarra’, diz estudante sobre crise

Vinte e cinco milhões de reais a menos, é o que foi modificado no orçamento da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) para o ano de 2019. A decisão da diminuição, de R$ 317 milhões para R$ 292 milhões, foi aprovada durante a votação da Lei Orçamentária Anual (LOA), no dia 28 de dezembro de 2018. A Universidade, que já estava funcionando com cortes de gastos, terá que se adaptar ao novo valor.

A antiga Universidade Regional do Nordeste (URNe), que desde 1987 foi estadualizada e passou a ser UEPB, é uma das três instituições de ensino público superior paraibano, tem campus sede localizado em Campina Grande e atua nas cidades de Araruna, Catolé do Rocha, João Pessoa, Guarabira, Lagoa Seca, Monteiro e Patos. Atualmente, a UEPB tem  1,2 mil docentes efetivos e substitutos e cerca de 900 técnico-administrativos.

Para entender de que forma essa diferença no orçamento irá impactar a instituição, que consta atualmente com cerca de 18 mil alunos na graduação e em torno de 3 mil em especialização, mestrado, e ensino técnico, o Portal Correio conversou com alguns alunos e profissionais da Universidade.

Dizeres como: “isso é angustiante”, “as expectativas não são as melhores”, “causa indignação uma instituição como a UEPB ser tratada com esse desprezo”, ou ainda, “profissionais formados à base da gambiarra”, são alguns dos relatos de quem vive a realidade da Universidade.

Adaptação implica mais cortes

Conforme o atual reitor da UEPB, Rangel Júnior, a situação para 2019 é de mais cortes para adaptação ao orçamento que o governo estadual estará disponibilizando para a instituição. Em 2018, por exemplo, o principal corte de gastos foi nas despesas de pessoal, sendo afetados os servidores temporários e professores substitutos.

Em 2018, eram 389 técnicos contratados e 418 professores substitutos. Em 2019, a Universidade contará com 122 técnicos contratados (tomando por base a última folha de pessoal) e 341 professores substitutos. No quadro de técnicos houve, além de encerramento de contratos, redução de carga horária e, consequentemente, de salários em cerca de 30 contratos.

De acordo com o reitor, neste período (2019.1), que foi iniciado na segunda-feira (18), mais de 3 mil alunos que passaram no período passado (2018.1) foram transferidos para as novas turmas, eles não ingressaram na instituição em 2018 devido aos cortes que vinham sendo efetuados. Ainda ingressaram mais 501 alunos em 2019, também pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), para preencher as vagas que foram abertas este ano na instituição.

Segundo ele, o orçamento para 2019 é idêntico ao que a Universidade teve no ano de 2015, e não vem ocorrendo aumento desde 2017. “A única diferença foi em 2016, porque houve um incremento, apesar de termos ações que dão direito de receber aumentos, e continuamos tentando na Justiça”, disse Rangel.

Auditório está sendo construído na Central de Aulas da UEPB, em Campina Grande, funcionários disseram ao Portal Correio que não há prazo de finalização. Obra já dura há cerca de dois anos. (Foto: Mayara Oliveira/ Portal Correio)

Com relação ao número de servidores efetivos, a UEPB conta com 855 professores e 769 técnicos administrativos. Com a redução dos contratos dos técnicos, também houve redução no atendimento, com a necessidade de estender prazos de solicitações e demais procedimentos. Junto aos professores, os departamentos fizeram redistribuição de carga horária, aumentando a carga horária dos docentes efetivos para poder ser cumprida a grade curricular completa, sem supressão de conteúdo.

Apesar das dificuldades financeiras, segundo a assessoria da Universidade, ainda não houve redução com relação a bolsas de pesquisa e de extensão. Mas não foi possível aumentar número e valor das bolsas, como seria o ideal, justamente por não haver recursos suficientes para esse incremento.

Atualmente, a UEPB conta com 366 projetos e 25 programas de extensão que atuam diretamente no atendimento à comunidade. Ainda não houve corte em nenhum. As bolsas para os alunos extensionistas é de R$ 253,00 por mês. Nenhum dos 165 laboratórios de pesquisa e ensino paralisou as atividades, porém, em geral, foi preciso que os departamentos reorganizassem os horários de funcionamento.

Para a UEPB, em 2019, é possível esperar, segundo o reitor, que mais áreas, setores e atividades sejam passíveis de mais redução, o que já vem sendo estudado. Conforme Rangel, os setores de serviços que a Universidade oferece aos estudantes, como bolsas, apoio a viagens, despesas anuais em congressos e diárias, que não foram afetados, passem a ser.

“Tudo na tentativa de reduzir as despesas da folha de pagamento e ainda mudando pra terceirização de serviços. É possível dizer com toda certeza que os serviços que são oferecidos para as comunidades serão impactados, já sabemos de antemão que não contaremos com R$ 25 milhões; reduzir despesas de pessoal, de custeio e investimentos são as opções”, relatou.

Ainda de acordo com Rangel, os números de interessados na instituição através do Sisu têm diminuído, o que não estaria relacionado à crise que a UEPB vem enfrentando nos últimos anos. “Há uma diminuição em algumas vagas, mas isso é comum na sociedade como um todo. Há um número que nitidamente está mais à procura de alguns cursos e de outros não, mas está mais relacionado às profissões do que com a Universidade em si”.

Luta da docência

A Associação dos Docentes da Universidade Estadual da Paraíba (ADUEPB) entrou com uma ação na Justiça, antes da votação da LOA 2019, para suspender a tramitação, uma vez que a proposta de diminuição no orçamento da Universidade já era esperada anteriormente.

“Ingressamos em novembro na Justiça para suspender a LOA na Assembleia Legislativa, só que naquele momento o Tribunal de Justiça não se pronunciou, a LOA acabou sendo aprovada e a nossa tramitação perdeu o foco, mas vamos estudar outra tramitação contra essa votação,” disse o presidente da associação, Nelson Júnior.

Conforme Nelson, ainda não houve diálogo com o governo. “O novo governador [João Azevêdo] assumiu e a gente acabou não se reunindo com ele, então tentamos agendar uma audiência e estamos aguardando a marcação dela, tentando ver se o governo confirma.”

A UEPB está sem concurso para professores nos últimos quatro anos e também não há ajustes salariais para os servidores durante esse tempo. A Universidade é prejudicada, segundo a associação, na reposição dos números de professores que se aposentam. Em relação a esse aspecto, mais de 30% dos professores da UEPB estão em caráter temporário.

Segundo o Geraldo Medeiros, doutor em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o caso se trata de uma proposta financeira insuficiente. “Esse orçamento tem possibilitado reajustes salariais nas funções por parte dos docentes e dos técnico-administrativos da UEPB. Por causa da insuficiência para atender as funções mínimas da instituição, chega a um momento em que a Universidade precisa se ajustar às próprias demandas para atender as mudanças do mercado ou do próprio lugar em que ela atua”.

De acordo com Rostand Melo, doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), há uma preocupação da docência no que diz respeito às áreas de pesquisa e extensão. “A UEPB já sobrevive há um bom tempo com limitações nas estruturas de alguns laboratórios e necessidades de ampliação nos investimentos. Mais cortes podem afetar a qualidade dos serviços prestados pela instituição não só em sala de aula, mas também na pesquisa e na extensão.”

Ele relata ainda que um dos problemas sérios na atual conjuntura da UEPB é a defasagem salarial de professores e servidores do quadro técnico-administrativo, que está sem reajuste e, consequentemente, com perdas salarias diante da inflação e do aumento do custo de vida, o que tem sido cada vez mais difícil de solucionar diante dos cortes.

“Ainda está em vigor a lei estadual que congelou as progressões, apesar do acordo feito com o governo para liberar as progressões solicitadas em 2016 e 2017. As progressões solicitadas em 2018 estão barradas. Com isso, a instituição não cumpre o plano de carreiras e se perde o estímulo à produção, afinal os docentes só progridem na carreira mediante o cumprimento de metas de produção nas áreas de ensino, pesquisa e extensão, ou por meio da titulação, com a conclusão do doutorado, por exemplo. Nesse contexto, perde-se o estímulo para maior produção e maior retorno à sociedade,” argumentou o docente.

Para Fernando Firmino, doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), o orçamento aprovado na LOA 2019 da Assembleia Legislativa, para UEPB, demonstra a falta de compromisso do Estado com a educação e esse corte inviabiliza as atividades de pesquisa, extensão e manutenção do ensino.

“A Lei de Autonomia Financeira da UEPB de 2004 permitiu que a instituição ficasse mais de seis anos sem greve até o início de 2011. Provavelmente a única Universidade nessa condição. Mas desde a primeira gestão do governador Ricardo Coutinho que a UEPB vem perdendo recursos e isso reflete em sala de aula com a evasão, o desânimo com as greves e portarias. Infelizmente o governador atual prossegue com a mesma política e não negocia com reitoria e sindicato uma solução”.

O professor chegou ainda a comparar a situação de crise da instituição com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e disse que esses anos de cortes podem levar ao fim da Universidade. “O orçamento da UEPB é quase o mesmo que o da Assembleia Legislativa, mesmo com tantos campi cobrindo o estado e toda uma infraestrutura necessária para pesquisa e rotina do dia a dia. Depois de oito anos de cortes, não é possível que se continue com essa situação porque pode ser o fim da UEPB ou a permanência desse ambiente de greves. Causa indignação uma instituição como a UEPB ser tratada com esse desprezo pelo Governo do Estado,” finalizou.

Alunos temem futuro da instituição

Louhanne Salles tem 23 anos e é estudante de Comunicação Social. Ela acredita que a Universidade precisa de inúmeras melhorias, principalmente administrativas e estruturais. “É bem perceptível a precariedade em alguns aspectos, principalmente nas salas de aula e nos laboratórios, onde há ausência de equipamentos de qualidade para melhor amparar os alunos. Em meio à greve que houve em meados de 2017, minha turma ficou totalmente desamparada em duas cadeiras, por conta de um professor substituto que abandonou a instituição devido à forma como os substitutos estavam sendo tratados em meio aos cortes”.

As expectativas da estudante não são positivas em relação ao que vem pela frente. “Infelizmente, quando se trata de UEPB, tendo em consideração o que já vi ao longo dos seis semestres que estudo aqui, as expectativas não são as melhores. Até porque nós alunos sabemos bem a situação. Agora com essa redução de orçamento, a tendência é que as coisas piorem, mais cortes sejam feitos, o que é realmente muito lamentável,” disse.

Pedro Henriques, de 23 anos, estuda Computação e disse ao Portal Correio que a UEPB só está indo de mal a pior. “Eu e minha turma não sofremos, diretamente com essa redução do orçamento, porque a gente não depende tanto dos recursos que a UEPB apresenta como em outros cursos. Eu acredito que quem vai ser mais afetado serão os alunos que estão ingressando agora, pois estarão entrando em uma Universidade que não está em condições muito favoráveis e quem termina pagando são os próprios alunos. Minha expectativa para o que vai acontecer futuramente não é muito otimista, mas infelizmente realista”.

Ana Caroline Cavalcante, de 22 anos, estuda Enfermagem. Ela acredita que o Campus I, em Campina Grande, está em relevo bem acidentado, principalmente com relação à acessibilidade. “Mesmo que um ou outro prédio tenham rampas, tenho certeza que é uma dificuldade enorme para os cadeirantes. No meu curso de Enfermagem, faz dois anos que tem uma reforma que era para acontecer em meses e até hoje continua sendo feita e a gente vê que não vai a lugar nenhum,” lamentou.

Ana disse que pelo que percebe das condições atuais, tanto financeiras como administrativas, a UEPB possivelmente vai se sucatear no nível de graduação, pós-graduação e estrutura. “Está começando agora e talvez isso se prolongue. Acho que, para se recuperar, passaria a mesma quantidade de anos que ela tem hoje, que são mais 50. A Universidade está formando profissionais à base da gambiarra,” declarou.

Centro de Ciências Biológicas e da Saúde de Campina Grande passa por reformas desde junho de 2016, o antigo prazo para entrega era de 180 dias, atualmente não há prazo para finalizações. (Foto: Mayara Oliveira/ Portal Correio)

Thaís Leiliane tem 23 anos é Mestranda em Literatura e Interculturalidade. Ela relatou que nas salas de aula de ensino médio em que está atuando, em Campina Grande, muitos dos alunos já afirmaram que ambicionam a universidade pública, mas a UEPB é sempre uma das últimas listadas por eles. Ela acredita que as greves constantes, a desvalorização dos professores e o baixo incentivo a programas de auxílio e extensão para universitários têm enfraquecido a instituição.

“Lembro que durante a graduação alguns colegas trancaram o curso porque não tinham como se manter aqui [Campina Grande]. Como minha turma era noturna, e sempre há menos oportunidades para esse turno, a competição por uma vaga no curso de extensão, seja em idiomas, iniciação à docência ou outros, e até em um programa de monitoria, sempre foi feroz. Há muitos estudantes que querem viver a universidade, mas a Universidade não possui meios suficientes para gerar essa vivência acadêmica digna a todos os estudantes,” argumentou.

O cadeirante, de 23 anos, Tercio de Medeiros, estudante de jornalismo, utiliza as rampas da universidade para se dirigir as salas, disse ao Portal Correio que desde que inciou o curso, há uns três anos, o elevador da Central de Aulas nunca apresentou um bom funcionamento. Além da Central, os elevadores do Núcleo de Tecnologias Estratégicas em Saúde (Nutes) e do Centro Artístico Cultural da UEPB também não funcionam.

Para finalizar, ela disse o que a Universidade precisa para atender a demanda da sociedade. “Para estudar, eu preciso de uma sala que atenda as necessidades dos alunos, eu preciso de professores bem pagos para que possam desempenhar suas funções com dignidade, preciso de acesso a material, incentivo para pesquisa científica, preciso de uma estrutura física que garanta segurança. Se o orçamento da Universidade continuar sendo posto na sarjeta das preocupações públicas, não podemos imaginar um destino muito feliz”.

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