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Do match ao ‘ghosting’: relacionamentos líquidos na era digital

Ferramentas digitais, como plataformas de conversa online, o Tinder, por exemplo, têm se tornado cada vez mais presentes na vida de muitas pessoas
Do match ao ‘ghosting’ (Foto: Imagem ilustrativa/ Canva/ Bárbara Mendes)

Com o avanço e a crescente acessibilidade das novas tecnologias da comunicação e informação, as formas de se relacionar também passaram por grandes transformações. As ferramentas digitais, como plataformas de conversa online, o Tinder, por exemplo, têm se tornado cada vez mais presentes na vida de muitas pessoas.

No entanto, o que aparenta facilitar o processo de conhecer novas pessoas e, possivelmente, encontrar o “match perfeito”, também pode ser um caminho fácil para a decepção. As interações são marcadas pela pressa em conhecer o outro, o que faz com que as pessoas sejam ainda mais rápidas em esquecerem umas das outras.

Certamente, muitos podem se identificar com a seguinte situação:

Você conhece alguém, ambos se interessam, compartilham diversos gostos em comum e, consequentemente, dão “match”, estabelecendo um vínculo afetivo. No entanto, inesperadamente, a pessoa desaparece.

O fenômeno conhecido como “ghosting” pode ser comparado à expressão “foi comprar cigarro e nunca mais voltou”. O termo, que vem da palavra “ghost“, “fantasma” em inglês, nada mais é do que quando o outro simplesmente deixa de responder mensagens e some repentinamente.

“Estava tudo fluindo até que ele sumiu e nunca mais tive notícias.”

Essa experiência não é única e exemplifica a história de Beatriz*, uma jovem de 22 anos. Seu relato inicia com um match em um aplicativo de relacionamentos, que logo evoluiu para conversas e flertes em outras redes sociais, até que combinaram de ir em um encontro presencial. Após esse encontro, continuaram a se falar por vários dias, com convites para futuras saídas, até que a pessoa sumiu.

Beatriz relata que não é a primeira vez que isso acontece e que está acostumada com o “ghosting“. No entanto, expressa cansaço em relação a esse ciclo vicioso.

“Para ser bem sincera, não é a primeira vez que me deparo com o famoso ghosting, mas acho que seria bem mais simples uma conversa sincera sobre expectativas e intenções desde o início do contato. Eu sempre procuro ser transparente e me sinto um pouco cansada de só esbarrar com pessoas superficiais, que demonstram intensidade no início e depois desaparecem sem um mínimo de responsabilidade afetiva.”

Quando discutimos pessoas ou relacionamentos “rasos”, inevitavelmente lembramos de Bauman e sua teoria do amor líquido, que sugere que as redes sociais e a internet intensificam a natureza superficial dos relacionamentos modernos. Nesse contexto, tudo é efêmero, tornando desafiador construir relações sólidas.

A psicóloga Hyalle Abreu, especialista em terapia cognitivo-comportamental, aborda a importância dos vínculos saudáveis desde a infância e como a falta dessas bases pode resultar em esquemas desadaptativos na vida adulta. A necessidade de aceitação e apego seguro emerge como fundamentais para a saúde psíquica.

“As bases dessas necessidades são construídas ainda durante a infância e os pais ou responsáveis são os principais responsáveis por prover isso à criança. Caso a construção desses vínculos não seja equilibrada, podem surgir os esquemas desadaptativos. Importante destacar que as necessidades emocionais básicas têm demandas diferentes em cada pessoa. Com relação à aceitação, os adultos que não tiveram essas necessidades supridas na infância, geralmente, se sentem abandonados, menosprezados e não conseguem estabelecer vínculos estáveis com os outros”, completa.

Abordando as dificuldades de encerrar relacionamentos, a psicóloga destaca que a saúde dos esquemas de enfrentamento de cada pessoa é uma questão bastante individual.

Algumas conseguem avaliar a relação e decidir sair dela quando não se sentem amadas ou valorizadas, enquanto outras podem alimentar uma dependência emocional que dificulta a saída de um relacionamento tóxico. Vale destacar que sair do relacionamento não significa necessariamente esquecer facilmente.

“Sair da zona de conforto é difícil. Enfrentar e assumir responsabilidades por um término gera desgaste emocional, cognitivo e comportamental. O ser humano, geralmente, evita situações que demandam dispêndio de energia”, afirma a psicóloga Hyalle Abreu.

Segundo ela, talvez não seja possível esquecer o antigo relacionamento completamente, especialmente se as experiências com a pessoa foram marcantes e significativas. Nessas situações, a memória afetiva provavelmente se consolida na memória de longo prazo. No entanto, isso não impede aprender a lidar de maneira saudável com o término.

Assim, enquanto as tecnologias conectam, também revelam desafios emocionais únicos, reforçando a necessidade de compreender e enfrentar as complexidades das relações modernas.

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